O que é que Charli XCX tem?

Charlotte Emma Aitchison, mais conhecida por Charli XCX (ao que parece deriva de Kiss Charli Kiss), britânica de 21 anos que por estes dias disfruta de um enorme mediatismo graças à sua participação em "Fancy", a canção que muito provavelmente se tornará no maior hit deste Verão, merece ser considerada um estudo de caso.

Os mais atentos saberão por certo que este não é o seu primeiro affair com o sucesso global. No ano passado deu voz ao deliciosamente desavergonhado "I Love It", ao lado das suecas Icona Pop, que ascendeu também aos lugares cimeiros dos topes (nº1 no Reino Unido e nº7 nos EUA). Poderia ter sido um feliz acaso, pois podia, mas há aqui algo mais. 

Podemos tirar daqui duas conclusões: a primeira é que Charli esteve por detrás da composição tanto de "Fancy" como de "I Love It", que por acaso têm versos bastante apetecíveis e memoráveis. A segunda é que em ambos os casos, é ela que "faz" as canções. Ou seja, tenho para mim que não fosse o facto de Miss XCX compôr e dar voz aos dois temas, dificilmente se tornariam tão estrondosos hits.

Perante as evidências, decidi reavaliar os juízos de valor que tinha a respeito da sua carreira a solo - já lá vamos - e dei logo de caras com um infalível "SuperLove", tema que anuncia o seu próximo disco.

Portanto, eu ouvi falar de Charli XCX pela primeira vez em meados de 2012, na altura com "Nuclear Seasons" e "You're The One" como cartões de visita. A minha impressão não foi das mais favoráveis. Não detestei, mas também não senti que houvesse ali potencial para uma carreira sólida. Era estranha na sua fusão de electropop com new wave, pouco agradável ao ouvido e muito diferente de tudo o resto que por aí andava na altura. Tenho ideia que a coloquei na dita lista de espera de 'Magníficos Materiais Desconhecidos', mas sem grande esperança de algum dia poder vir a fazer algo com ela.

E assim foi. Chegados a Abril de 2013 é editado True Romance, o seu primeiro longa-duração numa grande editora (em 2008, com apenas 14 anos lançou um disco numa editora independente, quase ilegal, que teve edição muito limitada) antecedido por um novo single, "You (Ha Ha Ha)", mas aí já me passou completamente ao lado e nem sequer uma hipótese lhe dei. Simplesmente não quis saber. Até há duas semanas atrás: disposto a conceder-lhe uma nova oportunidade e curioso por perceber o fenómeno em seu redor, ouvi True Romance de uma ponta à outra. E... gostei bastante do que encontrei.

De facto, Charli XCX não era tão estranha ou alternativa quanto pensava. Talvez ainda não tivesse era adquirido a maturidade musical necessária para a compreender. Agora que já a possuo, coloco-a no báu de Marina and the Diamonds e Sky Ferreira, artistas conotadas com a etiqueta pop, mas que se diferenciam da abordagem típica que é feita por alguém que transporta esse crachá ao peito. No caso de Charli XCX e de True Romance, diria mesmo que é o tipo de disco que Sky teria feito caso não tivesse existido uma pausa tão grande e uma boa dose de caos laboral entre o Ghost EP e o LP de estreia, Night Time, My Time.

É pop com personalidade, verve e elementos de gótico, new wave e electrónica à mistura. Por vezes fere os ouvidos, outras tantas torna-se confusa e a tempos parece ser fruto de uma produção "caseira", mas a rapariga tem jeito para a escrita de canções, sabe-se rodear de produtores que extraem o melhor de si e o certo é que as experiências inusitadas e ecléticas acabam por ser recompensadoras - um disco puramente séc. XXI que absorve o passado, reflecte o presente e concentra em si o futuro. 

Não a vejo a fazer concorrência a Katy Perry nem Lady Gaga, mas também não me parece que vá ficar confinada à elite alternativa. O facto de percorrer uma linha estreita que separa o mainstream do underground sempre com a noção de bom gosto bem presente aliado a uma personalidade artística forte e cativante, poderá ser o seu maior trunfo nos anos vindouros. Portanto, o que é que Charli XCX tem, mesmo? Encantos mil e um futuro brilhante à sua frente.

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