REVIEW: Kanye West- Yeezus
Sem capa. Lançado do dia para a noite. Sem vídeos nem singles de promoção. Um título e um homem apenas: Kanye West e Yeezus, a junção da sua alcunha - Yeezy - com Jesus, criando assim um híbrido todo poderoso e nada presunçoso, ou não estivessemos nós diante do rapper mais importante do séc. XXI. Reconheço o génio, aprecio a obra e estou pronto para me banhar nesta luz divina. Ou será diabólica? Pois oremos, irmãos:
1) On Sight- Ruído, sintetizadores marados e palavrões a rodos. Parece uma obra em bruto, incompleta, que ameaça rasgar os tímpanos. Os senhores Daft Punk dão vida ao ciborgue West, que dispara a torto e a direito, sem dó nem piedade. Está longe de ser agradável, mas é um facto de que com Kanye o prazer nunca é imediato. (7/10)
2) Black Skinhead- Convertido em 1º single, é um pouco mais polido que "On Sight" mas é igualmente tenebroso e agressivo. É puro hip hop meets rock industrial e não está muito distante do território de Marilyn Manson e do seu "Personal Jesus". Aqui o todo-poderoso é Kanye e faz questão de o bradar aos sete ventos. (8/10)
3) I Am a God- O título não engana e o rapper autoproclama-se uma divindade com toda a megalomania que isso implica. Entre comparações com Michael Jackson e uma conversa com Deus, na qual reconhece "I know he the most high/ But I am a close high", o tema encerra em si uma grandiosa imponência e é fabulosamente produzido pelos Daft Punk. Lá para o final adquire contornos de filme de terror e solta-se um grito infernal que me provoca sempre um calafrio. (9/10)
4) New Slaves- Agora que se instala no Olimpo, Kanye entra no território da crítica social e este tema em particular serve para criticar aquilo que ele entende como o "rich nigga racism", os supostos novos escravos da sociedade. Mantém-se o tom controverso (e umas quantas referências a sexo escabroso) mas diminui um pouco a intensa parafernália industrial que envolveu os 3 primeiros temas. E o sample final é qualquer coisa de fenomenal. (8/10)
5) Hold My Liquor- É uma canção bastante confessional em que Kanye fala de problemas com o álcool, relacionamentos falhados e a percepção errada que as pessoas têm da sua imagem. O pano de fundo é minimal, comparado com o que já por aqui passou, contando com pouco mais do que sintetizadores pulsantes, guitarras e a participação de Chief Keef e Justin Vernon. Está entre as melhores. (9/10)
6) I'm in It- Não é todos os dias que se ouve o senhor Bon Iver a adornar o rap de Kanye West e metido num tema com influências ska/dancehall, com resultados impressionantes. Safa-se o carácter ambicioso, porque a nível lírico os versos de "I'm in It" nada vêm acrescentar à temática de Yeezus, já bem servido de letras para lá de ordinárias. (8/10)
7) Blood on the Leaves- Julgo que o álbum está a entrar por caminhos menos obscuros e a tornar-se cada vez mais agradável ao ouvido. Em "Blood on the Leaves" é samplada a versão de 1965 Nina Simone para "Strange Fruit" um original de Billie Holiday que serviu de hino à luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos e que Kanye transforma num escape para os seus dilemas amorosos e familiares. Contorna o óbvio e é arrasadora. (10/10)
8) Guilt Trip- O álbum está a tomar proporções épicas, a ir numa direcção que cada vez mais me agrada. Estão de novo presentes as influências jamaicanas de "I'm in It" e o tom confessional de "Hold My Liquor", ou não se tratasse isto de um sentimento de culpa. Mas é mesmo o sample dancehall que o eleva a outro patamar. (9/10)
9) Send It Up- Os Daft Punk estão de novo no comando, fornecendo uma batida maquinal e diabólica, enquanto Kanye dispara a sua mira para alvos como Elvis, Prince e 50 Cent. Para o final está reservado outro sample reggae, cortesia de Beenie Man. (8/10)
10) Bound 2- O derradeiro tema de Yeezus é talvez aquele que mais vai de encontro às origens de Kanye West, à era de The College Dropout. E é de fácil apego, apesar de construído à base de uns 3 samples distintos e que se cruzam para dar vida a um momento encantador e quase romântico, que contrasta com a acidez dos restantes temas. Excelente desfecho este. (9/10)
Como já vem sendo hábito, o 6º álbum de Kanye West é aquilo a que se chama uma obra-prima. Em bruto, estridente e aguçada, algo inacabada e longe de ser bela, mas não deixa de ser uma valente obra-prima. Aliás, desde 808s & Heartbreak que Kanye não faz outra coisa senão transcender-se a cada novo álbum, agigantando a sua sonoridade em consonância com o seu ego. E Yeezus é mestre na arte da reeinvenção, da inversão da lógica, de proporcionar o inesperado. É agressivo, osbcuro, sujo, destemido e extremamente ousado, em que vários estilos chocam e onde há sempre um sample inusitado à espreita.
Verdade seja dita, não é de fácil digestão: fiz esgares de aversão, visitei géneros musicais que não são a minha praia, arrepiei-me ("I Am a God" é a culpada), mas a cada nova audição fui gostando mais e acabei por compreender o espírito do álbum. Polémico e controverso como sempre, Kanye West sabe o quão influente e visionário é, não se inibindo de o dizer a quem quer que seja. Megalómano e extravagante? Sem dúvida. Uma besta? Conforme a ocasião. Mas não nos esqueçamos que todos os grandes génios têm as suas falhas. E as dele, felizmente, só vêem engrandecer a sua música, fruto de uma mente brilhante como poucas. Avé, Kanye.
Classificação: 8,5/10
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