REVIEW: Justin Timberlake- Man of the Woods
A dualidade de Man of the Woods é tanto o seu maior trunfo como a principal desgraça: nunca Justin Timberlake vacilou tanto no seu posto de alta patente da pop.
Em 2018 Justin Timberlake cumpre duas décadas ao serviço da pop. E se é verdade que não foi assim há tanto tempo que escutámos "Like I Love You" pela primeira vez, importa relembrar que os NSYNC se tornaram gigantes uns quatro anos antes. Vimo-lo a crescer de menino de coro a miúdo com pinta e ambição de mudar a pop, até que os seus intentos se concretizaram e foi capaz de moldar um tempo e uma geração em meados da década passada.
"Desapareceu" no auge do seu sucesso, limitando a sua actividade a colaborações esporádicas, e voltou como o bom messias uns bons sete anos mais tarde com um álbum duplo para se assumir como sucessor em linha do lugar deixado vago por Michael Jackson. O novo hiato que se seguiu não pareceu tão penoso porque "Can't Stop the Feeling" mitigou a sede de novo material, mas enquanto isso Justin Bieber e Bruno Mars tornaram mais acesa a luta pela supremacia da pop no masculino.
Chegados a 2018, a configuração na hierarquia musical modificou-se. E Justin Timberlake também. Orgulhoso esposo de Jessica Biel e pai de família, anunciou Man of the Woods como o seu álbum mais pessoal à data, reflexivo das suas origens sulistas, dos laços de consanguinidade e um misto entre o smoking de outrora e a camisa de flanela do presente. Vamos perceber faixa-a-faixa em que pé o novo disco o deixa:
1) "Filthy"- Talvez não venhamos a compreendê-lo de forma tão imediata quanto convém a um tema do circuito pop, mas é perceptível que partilha a sua ambição com a de "SexyBack": ser um objecto de estranho culto e motivo de debate em pleno 2018. E há que aplaudir essa ambição. Podemos desconstruí-lo enquanto um robótico pedaço de R&B/electro-funk derivativo do catálogo de Jamiroquai e da fase andróide de George Michael em "Freeek!", mas que falha em recapturar a urgência e o pioneirismo do seu homólogo. (7/10)
2) "Midnight Summer Jam"- Os Neptunes de Pharrell Williams e Chad Hugo entram em acção e montam nas profundezas do Tennessee o cenário para um convidativo serão estival ao luar: há dedilhadas funk, cordas (!) e um irresistível solo de harmónica que impelem o corpo a dançar sem cessar, mas eventualmente o tema sofre do maximalismo de The 20/20 Experience e prolonga-se um pouco mais do que o necessário. Mais, o outro soa identicamente ao de "Don't Hold the Wall"... (7/10)
3) "Sauce"- O palco está montado e a boa disposição mantém-se, por isso o churrasco nocturno prossegue com uma divertida e lasciva composição funk-rock tingida de country que soa a uma recriação do génio de Prince. Nada de outro mundo, mas ainda assim convidativa. (7/10)
4) "Man of the Woods"- Primeiro deslize em grande. Justin escreve na companhia dos Neptunes uma missiva de amor à mulher e de orgulho nas raízes do Tennessee, mas a mescla sonora em que surge é simplesmente... terrível. Desde sons dissonantes, ambiência rústica, versos embaraçosos a um coro acapella ao estilo dos Pentatonix, acaba por estar ao nível das suas paródias no Saturday Night Live. É possivelmente a pior canção que alguma vez lhe escutámos, yikes! (3/10)
5) "Higher, Higher"- De volta a si para uma formidável e estilosa construção disco pop muito na veia dos Bee Gees e do clássico Saturday Night Fever que versa sobre o início do romance com Jessica Biel e como a presença desta na sua vida o melhora em todos os aspectos. Pede estatuto de single e um lugar na colecção de clássicos de JT. (9/10)
6) "Wave"- Se alguma vez imaginarmos como soaria uma canção de Justin escrita para Ana Moura, "Wave" seria o perfeito exemplo, isto porque a ginga irresistível do ukulele confere-lhe uma certa aura que associamos à nossa guitarra portuguesa e ao fado castiço. Timberlake e os Neptunes combinam elementos pop, R&B e bluegrass com curiosas mudanças de escala numa canção que reclama por escapismo e uma pausa no bulício citadino. É aquele refresco gostoso num dia quente de Verão. (8/10)
7) "Supplies"- De ambiência urbana e oriental, opera num limiar trap e R&B praticado actualmente à exaustão e com resultados mais eficazes noutras latitudes. É o que acontece quando Justin se põe a seguir tendências em vez de as ditar, como de costume. Deveria ter sido afastado da equação de singles. (6/10)
8) "Morning Light"- Concorre com o tema-título pelo troféu de pior canção do álbum. Apresenta-se numa confusa amálgama de soul, R&B alternativo e brisa sulista na qual Justin e Alicia declaram o quão apaixonados estão, mas que simplesmente não vai a lado nenhum. Um maior minimalismo poderia ajudar a canção a respirar melhor, talvez. Uma pena, porque Miss Keys merecia bem mais. (4/10)
9) "Say Something"- O conceito da fusão de pop, electrónica e country atinge aqui a sua expressão máxima: trata-se de uma meditação sobre a pressão social de ter algo a defender ou discursar, quando por vezes o silêncio é a melhor resposta. Em suma, o tipo de questão susceptível de afligir alguém tão mediático quanto JT. O cantor recruta o amigo Chris Stapleton, que sustenta a canção com a sua guitarra acústica e robustez vocal. Timbaland e Danja estão lá para unir as pontas. (8/10)
10) "Hers (Interlude)"- Jessica Biel tem honras de narração neste singelo testemunho ao marido em forma de canção que utiliza a metáfora da camisa como elo de intimidade e afecto entre o casal. (-/-)
11) "Flannel"- Pegando no testemunho da esposa, Justin constrói todo um hino de embalar sobre as propriedades reconfortantes das suas camisas de flanela. É um encontro entre a folk de Bon Iver e o quase spoken word de "Purple Rain", que a meio caminho se volta a cruzar com o coro acapella do tema-título. A atmosfera acetinada quebra-se com o outro medonho de Jessica - bela forma de arruínar uma canção. (5/10)
12) "Montana"- Pharrell recupera algumas heranças do seu trabalho com os Daft Punk em Random Access Memories (2013) nesta inescapável faixa de recorte disco/funk que poderia figurar na parte II de The 20/20 Experience e que concorre com "Higher, Higher" pelo título de melhor do álbum. Timberlake surge em pleno estado de embriaguez romântica, inebriado de paixão pela sua parceira, e a modular a voz com particular engenho. (9/10)
13) "Breeze Off the Pond"- A mesma atmosfera disco/funk descontraída ecoa neste tema que compara o vento a todos aqueles que desejam o infortúnio da sua relação, que apesar das adversidades é "sólida como madeira de carvalho". Produção estelar, como sempre, e um trabalho lírico acima da média. (8/10)
14) "Livin' Off the Land"- Dona de um dos arranjos mais interessantes do disco, conjuga funk, 808s e aura country com propriedade, resultando de mais uma reflexão de JT sobre o binómio homem-natureza: só saberá prosperar quem for capaz de remar contra a corrente e encontrar espírito combativo e de resiliência dentro de si. (7/10)
15) "The Hard Stuff"- Em mais uma declaração de amor a Mrs. Timberlake - nos bons e maus momentos, na saúde e na doença, blah blah - Justin entra em total modo country, mas o efeito é francamente enfadonho. Passava bem fora do alinhamento. (5/10)
16) "Young Man"- O disco encerra com uma adorável carta de amor endereçada ao pequeno Silas Timberlake, em que o papá Justin lhe transmite as lições de vida que herdou do seu pai, na esperança de que as cultive quando se tornar adulto. Conserva a mesma toada pop afectuosa de "Not a Bad Thing" e completa a sua metamorfose de homem de família dedicado. (6/10)
É verdade, Justin Timberlake fez o álbum mais arriscado e incoerente do seu percurso, mas não deve ser totalmente censurado por isso. Afinal, não é o que se espera de um vulto da sua dimensão? Para além de experiência de fusão rural e citadina, Man of the Woods é também um disco de transição, que apesar de conservar traços do passado galanteador, procura novas texturas pessoais (estão aqui algumas das suas letras mais confessionais) e sónicas. Não é, pois, a revolução que o panorama musical necessitava, mas a transformação que Justin, o homem e o artista, pedia nesta altura da sua vida.
O timing da sua edição também não foi o melhor. "Filthy" pedia tempo para ser compreendido. "Supplies" nem para as contas de single devia ter entrado. "Say Something" poderia ter tido hipótese de remendar as coisas se fosse lançado mais cedo. Tal como "Higher, Higher" ou "Montana" teriam alterado o curso dos acontecimentos caso chegassem a single. Associar o seu lançamento com o espectáculo do Super Bowl - onde JT assinou um dos mínimos do seu percurso, em 2004 - também foi uma má decisão. E Timbaland é sem dúvida um melhor parceiro criativo que os Neptunes.
A coroa escorrega, sim, mas não lhe foge. Um projecto menos bom não chega para apagar um percurso até aqui imaculado. É esperar - e acreditar - que a concisão e o prodígio o voltarão a agraciar.
"Desapareceu" no auge do seu sucesso, limitando a sua actividade a colaborações esporádicas, e voltou como o bom messias uns bons sete anos mais tarde com um álbum duplo para se assumir como sucessor em linha do lugar deixado vago por Michael Jackson. O novo hiato que se seguiu não pareceu tão penoso porque "Can't Stop the Feeling" mitigou a sede de novo material, mas enquanto isso Justin Bieber e Bruno Mars tornaram mais acesa a luta pela supremacia da pop no masculino.
Chegados a 2018, a configuração na hierarquia musical modificou-se. E Justin Timberlake também. Orgulhoso esposo de Jessica Biel e pai de família, anunciou Man of the Woods como o seu álbum mais pessoal à data, reflexivo das suas origens sulistas, dos laços de consanguinidade e um misto entre o smoking de outrora e a camisa de flanela do presente. Vamos perceber faixa-a-faixa em que pé o novo disco o deixa:
1) "Filthy"- Talvez não venhamos a compreendê-lo de forma tão imediata quanto convém a um tema do circuito pop, mas é perceptível que partilha a sua ambição com a de "SexyBack": ser um objecto de estranho culto e motivo de debate em pleno 2018. E há que aplaudir essa ambição. Podemos desconstruí-lo enquanto um robótico pedaço de R&B/electro-funk derivativo do catálogo de Jamiroquai e da fase andróide de George Michael em "Freeek!", mas que falha em recapturar a urgência e o pioneirismo do seu homólogo. (7/10)
2) "Midnight Summer Jam"- Os Neptunes de Pharrell Williams e Chad Hugo entram em acção e montam nas profundezas do Tennessee o cenário para um convidativo serão estival ao luar: há dedilhadas funk, cordas (!) e um irresistível solo de harmónica que impelem o corpo a dançar sem cessar, mas eventualmente o tema sofre do maximalismo de The 20/20 Experience e prolonga-se um pouco mais do que o necessário. Mais, o outro soa identicamente ao de "Don't Hold the Wall"... (7/10)
3) "Sauce"- O palco está montado e a boa disposição mantém-se, por isso o churrasco nocturno prossegue com uma divertida e lasciva composição funk-rock tingida de country que soa a uma recriação do génio de Prince. Nada de outro mundo, mas ainda assim convidativa. (7/10)
4) "Man of the Woods"- Primeiro deslize em grande. Justin escreve na companhia dos Neptunes uma missiva de amor à mulher e de orgulho nas raízes do Tennessee, mas a mescla sonora em que surge é simplesmente... terrível. Desde sons dissonantes, ambiência rústica, versos embaraçosos a um coro acapella ao estilo dos Pentatonix, acaba por estar ao nível das suas paródias no Saturday Night Live. É possivelmente a pior canção que alguma vez lhe escutámos, yikes! (3/10)
5) "Higher, Higher"- De volta a si para uma formidável e estilosa construção disco pop muito na veia dos Bee Gees e do clássico Saturday Night Fever que versa sobre o início do romance com Jessica Biel e como a presença desta na sua vida o melhora em todos os aspectos. Pede estatuto de single e um lugar na colecção de clássicos de JT. (9/10)
6) "Wave"- Se alguma vez imaginarmos como soaria uma canção de Justin escrita para Ana Moura, "Wave" seria o perfeito exemplo, isto porque a ginga irresistível do ukulele confere-lhe uma certa aura que associamos à nossa guitarra portuguesa e ao fado castiço. Timberlake e os Neptunes combinam elementos pop, R&B e bluegrass com curiosas mudanças de escala numa canção que reclama por escapismo e uma pausa no bulício citadino. É aquele refresco gostoso num dia quente de Verão. (8/10)
7) "Supplies"- De ambiência urbana e oriental, opera num limiar trap e R&B praticado actualmente à exaustão e com resultados mais eficazes noutras latitudes. É o que acontece quando Justin se põe a seguir tendências em vez de as ditar, como de costume. Deveria ter sido afastado da equação de singles. (6/10)
8) "Morning Light"- Concorre com o tema-título pelo troféu de pior canção do álbum. Apresenta-se numa confusa amálgama de soul, R&B alternativo e brisa sulista na qual Justin e Alicia declaram o quão apaixonados estão, mas que simplesmente não vai a lado nenhum. Um maior minimalismo poderia ajudar a canção a respirar melhor, talvez. Uma pena, porque Miss Keys merecia bem mais. (4/10)
9) "Say Something"- O conceito da fusão de pop, electrónica e country atinge aqui a sua expressão máxima: trata-se de uma meditação sobre a pressão social de ter algo a defender ou discursar, quando por vezes o silêncio é a melhor resposta. Em suma, o tipo de questão susceptível de afligir alguém tão mediático quanto JT. O cantor recruta o amigo Chris Stapleton, que sustenta a canção com a sua guitarra acústica e robustez vocal. Timbaland e Danja estão lá para unir as pontas. (8/10)
10) "Hers (Interlude)"- Jessica Biel tem honras de narração neste singelo testemunho ao marido em forma de canção que utiliza a metáfora da camisa como elo de intimidade e afecto entre o casal. (-/-)
11) "Flannel"- Pegando no testemunho da esposa, Justin constrói todo um hino de embalar sobre as propriedades reconfortantes das suas camisas de flanela. É um encontro entre a folk de Bon Iver e o quase spoken word de "Purple Rain", que a meio caminho se volta a cruzar com o coro acapella do tema-título. A atmosfera acetinada quebra-se com o outro medonho de Jessica - bela forma de arruínar uma canção. (5/10)
12) "Montana"- Pharrell recupera algumas heranças do seu trabalho com os Daft Punk em Random Access Memories (2013) nesta inescapável faixa de recorte disco/funk que poderia figurar na parte II de The 20/20 Experience e que concorre com "Higher, Higher" pelo título de melhor do álbum. Timberlake surge em pleno estado de embriaguez romântica, inebriado de paixão pela sua parceira, e a modular a voz com particular engenho. (9/10)
13) "Breeze Off the Pond"- A mesma atmosfera disco/funk descontraída ecoa neste tema que compara o vento a todos aqueles que desejam o infortúnio da sua relação, que apesar das adversidades é "sólida como madeira de carvalho". Produção estelar, como sempre, e um trabalho lírico acima da média. (8/10)
14) "Livin' Off the Land"- Dona de um dos arranjos mais interessantes do disco, conjuga funk, 808s e aura country com propriedade, resultando de mais uma reflexão de JT sobre o binómio homem-natureza: só saberá prosperar quem for capaz de remar contra a corrente e encontrar espírito combativo e de resiliência dentro de si. (7/10)
15) "The Hard Stuff"- Em mais uma declaração de amor a Mrs. Timberlake - nos bons e maus momentos, na saúde e na doença, blah blah - Justin entra em total modo country, mas o efeito é francamente enfadonho. Passava bem fora do alinhamento. (5/10)
16) "Young Man"- O disco encerra com uma adorável carta de amor endereçada ao pequeno Silas Timberlake, em que o papá Justin lhe transmite as lições de vida que herdou do seu pai, na esperança de que as cultive quando se tornar adulto. Conserva a mesma toada pop afectuosa de "Not a Bad Thing" e completa a sua metamorfose de homem de família dedicado. (6/10)
É verdade, Justin Timberlake fez o álbum mais arriscado e incoerente do seu percurso, mas não deve ser totalmente censurado por isso. Afinal, não é o que se espera de um vulto da sua dimensão? Para além de experiência de fusão rural e citadina, Man of the Woods é também um disco de transição, que apesar de conservar traços do passado galanteador, procura novas texturas pessoais (estão aqui algumas das suas letras mais confessionais) e sónicas. Não é, pois, a revolução que o panorama musical necessitava, mas a transformação que Justin, o homem e o artista, pedia nesta altura da sua vida.
O timing da sua edição também não foi o melhor. "Filthy" pedia tempo para ser compreendido. "Supplies" nem para as contas de single devia ter entrado. "Say Something" poderia ter tido hipótese de remendar as coisas se fosse lançado mais cedo. Tal como "Higher, Higher" ou "Montana" teriam alterado o curso dos acontecimentos caso chegassem a single. Associar o seu lançamento com o espectáculo do Super Bowl - onde JT assinou um dos mínimos do seu percurso, em 2004 - também foi uma má decisão. E Timbaland é sem dúvida um melhor parceiro criativo que os Neptunes.
A coroa escorrega, sim, mas não lhe foge. Um projecto menos bom não chega para apagar um percurso até aqui imaculado. É esperar - e acreditar - que a concisão e o prodígio o voltarão a agraciar.
Classificação: 6,6/10
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