REVIEW: Lana Del Rey- Ultraviolence


Dois anos e meio depois da estreia que dividiu opiniões, Lana Del Rey está de volta com Ultraviolence, o 2º álbum que poderia nunca ter feito, pois "já havia dito tudo o queria" em Born to Die. Claro, claro. Ameaças infundadas à parte, o disco será decisivo para a cantora norte-americana no sentido em que poderá beatificá-la ainda mais ou ditar o fim do mito. Eu cá farei reset acerca de tudo aquilo que li, ouvi e pensei a seu respeito, pois sinto que no passado fui demasiado influenciável e intolerante para com ela. É, um recomeço, pois então. Vamos a isto:

1) Cruel World- A entrada na atmosfera Lynchiana evocada pela música de Lana Del Rey dá-se com um épico de quase 7 minutos que nos banha com um filtro vintage, languidez cerrada à solta e despojos de um amor louco, tóxico e amaldiçoado. É impossível dissociá-lo de "Wicked Game", partilhando do seu ADN magnético, etéreo e sedutor. Para saborear com uma gentil porção de bourbon ao lado. (8/10)

2) Ultraviolence- O tema-título parece pisar as fronteiras do bom-senso, ou não cantasse Lana acerca de um relacionamento turbulento em que predominam marcas de violência, romantizadas no seu canto dreamy de donzela profundamente triste ("I can hear sirens, sirens/ he hit me and it felt like a kiss"). Não é uma mensagem lá muito conscienciosa, mas temos que ter em conta que deriva do imaginário opulento/trágico/misterioso construído à volta da sua persona artística. (8/10)

3) Shades of Cool- As coisas começam a ficar particularmente notáveis ao terceiro tema, uma magnífica balada de corte vintage e apelo intemporal que mereceria lugar de honra numa próxima banda sonora de 007. A sua construção é notável: abertura vaporosa ao som de uma guitarra lancinante, baixo meio adormecido e uma voz que parece ser a pura encarnação de Nina Simone. Depois vem o refrão orquestral, suportado por um sublime gorjeio de Lana que me traz sempre à memória a Branca de Neve banhada no seu próprio esplendor. Até que por fim chega o magistral riff de guitarra da autoria do Sr. "Tecla Negra", Dan Auerbach, e o nirvana dá-se. Poderia ouvir isto em modo repeat para todo o sempre que não me fartaria. (10/10)

4) Brooklyn Baby- Outra das melhores composições que por aqui moram. A melodia é absolutamente inescapável, o rosnar da guitarra eléctrica rapidamente me cai no goto e os versos que canta são deveras trauteáveis e irónicos. Não se consegue deslindar ao certo acerca de quem Lana troça: se da percepção que o público tem de si ou da atmosfera hipster que reina em Brooklyn ("Well, my boyfriend's in a band/ he plays guitar while I sing Lou Reed/ I've got feathers in my hair/ I get down to Beat Poetry/ and my jazz collection's rare/ I'm a Brooklyn baby"). Seja como for, é delicioso. (10/10)

5) West Coast- Tenho um apreço e encanto especial por esta canção desde o primeiro dia em que a ouvi. Em parte porque assinala a minha epifania relativamente à figura de Lana Del Rey e para com a sua música, e depois porque, caramba, é mesmo uma grande canção. Tudo nela é perfeito: a aura de sensualidade e perigo introdutória, a bateria bem demarcada, a fabulosa progressão do tema com as suas mudanças de tempo e intensidade e um esplêndido refrão que transborda lascívia por todos os poros. Sinto-me como que hipnotizado de cada vez que a oiço, perdido de amores por tão bela criação. Ooh, baby, ooh, baby, I'm in love. (10/10)

6) Sad Girl- Ora aqui está uma condição que lhe assenta na perfeição - a de diva vintage mas profundamente triste por detrás de todo aquele esplendor hollywoodesco. Porque ou é a namorada infeliz, presa numa relação abusiva, ou a amante das horas vagas que nunca terá aquilo que quer - o verdadeiro amor. Julgo que é essa dualidade que aqui está presente, algures entre a "sad" e "bad girl" que saltita no refrão e entre dois homens, qual deles o menos normativo. A canção é deveras melancólica na sua toada bluesy, soa a clássico instantâneo e é belíssima. (9/10)

7) Pretty When You Cry- Se isto não contém algum sample de "Hotel California" - levei as minhas engrenagens cerebrais ao limite para chegar a essa conclusão - então é capaz de ser o plágio mais descarado que já ouvi na vida. Tal constatação faz-me acordar do plano onírico em que havia mergulhado e de repente o disco já não me parece assim tão belo. A melodia, os arranjos, a letra e a própria voz perdem o encanto. A própria canção em si é demasiado triste e fúnebre para o meu gosto. (7/10)

8) Money Power Glory- É o primeiro momento que sinto que recupera a atmosfera gangsta de Born to Die, com toda a opulência que lhe é inerente. Uma vez mais, acho que há por aqui uma boa dose de ironia à solta: claramente que Lana não deseja dinheiro, poder e glória em iguais proporções, isso será sim a percepção errada que os mass media têm a seu respeito. Talvez seja a minha apetência para detectar derivações a falar mais alto, mas aqui também sinto uma certa referência a "Illuminated" dos Hurts, ainda que não tão explícita quanto o plágio do tema passado. (8/10)

9) Fucked My Way Up to the Top- Adoro o facto disto se tratar de um aviso pouco elogioso a uma artista feminina não identificada (ficará ao critério de cada um) e de ser cantada com uma classe e primor irrepreensíveis, como se em vez de estalos e puxões de cabelos tivessemos carícias de plumas e franzires de sobrolho que diriam mais do que qualquer palavra. "I'm a dragon, you're a whore/ don't even know what you're good for/ mimickin' me's a fuckin' bore/ to me, but babe". Agora fiquei com curiosidade de descobrir quem é a desgraçada que mereceu tão vis palavras... (8/10)

10) Old Money- Só me vem à cabeça que isto se trata de um híbrido entre "Ride" e "Young and Beautiful" - triste, bastante orquestral e com aquela pontada de devastação emocional que tornam as suas composições tão memoráveis. Novamente a temática do dinheiro a vir à baila, mas desta vez para metaforizar o período áureo, opulento e imensamente feliz de uma relação a dois em tempos idos. Lana parece cantá-la no leito da sua velhice ou à luz de um momento deveras nostálgico. (8/10)

11) The Other Woman- Desce dos céus esse bendito filtro vintage que me transporta directamente a 1946. E lá está Lana, deitada em cima de um piano lacrimejante, vestido de cauda cintilante, cabelos soltos sobre o tampo e microfone datado nas mãos, missal de angústia e pecado para descrever a dor de ser "a outra", a tal que é perfeita onde a sua rival falha, mas que o que de mais certo terá na vida será a solidão latente. Majestosa forma de encerrar o LP. (9/10)

Acabo o disco com a sensação de me ter tornado incrivelmente devoto a Lana Del Rey. E de ter ouvido um disco belíssimo, trabalho evolutivo e clássico intemporal numa era em que tudo muda e se esquece à velocidade de um abrir e fechar de olhos. A primeira metade do disco é fabulosa, extremamente bem construída e alinhavada, com "Shades of Cool", "Brooklyn Baby" e "West Coast" a proporcionarem uma secção imaculada de encantos inesgotáveis. Já a segunda parte - de "Pretty When You Cry" em diante - já soa mais arrastada, menos inventiva e etérea.

Como tantos outros, inicialmente eu fazia parte da fatia de detractores de Lana Del Rey. Isto sem nunca ter ouvido mais do que aquilo que os seus singles permitiam mostrar. Convém dizer que não parti para a audição de Ultraviolence sem ter escutado as suas obras anteriores e já com a animosidade que por ela nutria há muito extinguida. Estava sim, desejoso de conhecê-la melhor. Ao ouvir Born to Die não tive epifania alguma, bem pelo contrário, não gostei da atmosfera trip hop que volta e meia preenchia o disco e pouco encanto lhe encontrei à excepção de uns 4 ou 5 temas. Com a sua reedição - The Paradise Edition - acho que houve uma gigantesca evolução em termos de identidade artística e concretização musical, não existindo nenhum tema que não me caísse no goto. Com este Ultraviolence, então, tudo se expande: a voz, as letras, melodias e arranjos (há que destacar o papel preponderante de Dan Auerbach no processo) de tal forma que não tenho outra hipótese senão render-me às evidências. Graças a ele, Lana Del Rey acaba de firmar a sua credibilidade enquanto cantora e compositora talentosa e de conquistar o seu espaço no panorama musical assim como na minha vida. Seremos tão felizes quanto a sua tristeza crónica o permitir.

Classificação: 8,6/10

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