REVIEW: Rae Morris- Unguarded


26 de Março de 2012. Uma jovem Rae Morris de apenas 18 anos, toda ela decoro e cascata de bonitos caracóis, inaugurava o seu canal no YouTube com uma fabulosa rendição ao vivo de "Don't Go". A 22 de Novembro desse mesmo ano encontrava o seu caminho até este blog. 26 longos meses e uma mão cheia de impressionantes singles depois, edita o disco de estreia, Unguarded, este mesmo que nos traz aqui. Perdoem-me, pois, se parecer um bocadinho mais emocionado que o costume nas linhas que se seguirão.

"Skin" é um excelente cartão de visita para quem só agora chega ao universo de Rae. Contemplativo e soturno, um tanto ou quanto pós-apocalíptico. É uma canção de integridade e resiliência: escutar-nos para lá da cabeça e do coração, em consonância com o universo. A produção de Ariel Rechtshaid oscila entre o fantasmagórico e o meditativo, mas é a entrega vocal de Rae e o respectivo doseamento da intensidade, dicção e entoação que tornam a canção verdadeiramente assombrosa. "Under the Shadows" é um encontro entre a doçura synth de Ellie Goulding, a opulência régia de Florence and the Machine e as linhas sonoras de Kate Bush via anos 80: pode tratar-se de uma viagem pelas trevas, mas Rae conduz-nos das catacumbas ao templo luminoso. "Closer" é outra investida de Rechtshaid, mais dinâmica e propulsiva que a primeira, com piano, estalidos de dedos, drum machine e uma ténue linha melódica sintetizada. Groove a rodos manuseado por uma voz cheia de classe e elasticidade. Um estupendo trio de abertura.




"For You" é a thank you piano song de vistas largas, com todas as teclas lacrimejantes que uma canção do género possa ter, mas com alados apontamentos dreamy de Enya e ecos de Kate Bush. "Love Again" surge a meu ver como a escolha controversa do alinhamento: arriscada porque coloca Rae Morris entre a linha que separa a pop da house music, expedita pois leva-a para bem longe da sua zona de conforto e ligeiramente descabida porque estilhaça ao de leve a atmosfera etérea do disco. A menos que a intenção fosse a de provar a alguém - ou a si mesma - que era capaz de experimentar algo diferente. Chega "Don't Go", a canção com que tudo começou. Tinha-me esquecido do quão incrivelmente bela era... Até aqui havíamos conhecido apenas a versão acústica, mas foi alvo de um pequeno upgrade sonoro e cresceu em intensidade ao ponto de nos provocar um nó no estômago, olhos húmidos e a certeza de que não pode existir nada mais tocante à face da Terra nos seus 3 minutos e meio de duração. O esforço lírico aqui despendido é maravilhoso.



"Unguarded" coloca o jovem britânico Fryars ao comando dos botões, levando Rae à boleia pela galáxia num cometa que espalha pó galáctico à sua passagem - é feérico, caleidoscópico e novamente inspirado pela obra museológica de Kate Bush. O mesmo produtor assina (e dá voz) ao igualmente bem conseguido "Cold", pedaço de electropop com balanço hip hop, adornado com reverb e dissonâncias várias, tratando-se de um gélido e triste diálogo entre dois amantes que vêm o seu amor esmorecer. O gelo derrete para dar lugar às labaredas de "Do You Even Know?", o coração que move as engrenagens deste disco: a batida house gorda e imponente de Rechtshaid contrasta com a fragilidade emocional de Rae, coleccionadora de mágoas que vai guardando até o peso se tornar insustentável. O momento em que decide deixá-las para trás é assinalado com uma mudança de compasso para um disco lento, em consonância com o seu actual estado de paz interior. É uma canção magnífica.



"Morne Fortune" pode estar a braços com um caso de plágio, dependendo se teve ou não permissão para samplar o instrumental de "Life in Technicolor ii" dos Coldplay, aqui decalcado na perfeição. Rae surge a canalizar a sua Enya interior, lançando-se a um exuberante voo no refrão, como ainda não lhe tínhamos ouvido. "This Time" faz-me sentir que o fim está próximo: é o típico tema desenhado para fazer arder os últimos cartuchos. É retirado de um dos muitos EPs que a cantora britânica concebeu antes de chegar a este disco e representa muito bem a fase em que ainda dependia unicamente do piano mas já começava a sonhar com novas concretizações melódicas. O fim chega com o desnorte sentimental de "Not Knowing", a receber uma das prestações vocais mais expansivas do disco. Faz sentido que seja ela a concluir o alinhamento, representando o encerrar de um longo capítulo que traçou para chegar até aqui e a incógnita do amanhã, na arte e na vida.



Alguns de vocês sabem o quanto esperei por este disco. Foi um processo de crescimento contínuo e expectativa prolongada retratada a par e passo nos últimos 2 anos neste blog. Tantos cenários imaginados e nunca em nenhum deles suspeitei que pudesse resultar nisto: num dos álbuns de estreia mais bonitos, corajosos e surpreendentes que tenho memória de ter ouvido. O longo tempo de maturação deu-lhe espaço para se descobrir, testar e evoluir enquanto artista e o resultado é uma colecção de canções aprumadas, honestas, admiravelmente compostas e superiormente produzidas. O mundo ainda não sabe, mas está aqui um dos próximos grandes activos da pop britânica. E este é só o promissor início do resto da sua vida.

Classificação: 8,7

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