REVIEW: The Paper Kites- twelvefour


Da Austrália chega-nos um pequeno tesourinho de uma banda que herda tradições da cartilha folk, rock e country americanas tecidas ao luar, madrugada fora. 

Não faltará muito para que a jóia da coroa oceânica possa ser considerada uma das maiores potências musicais da actualidade. Vejamos: Sia bate-se de igual para igual com as calmeironas da pop, os Tame Impala são uma das bandas mais aclamadas da actualidade e Chet Faker praticamente criou uma nova divisória na instituição da electrónica que acolhe novos seguidores a um ritmo avassalador.

Como se não bastasse, é este o país que em tempos recentes nos tem dado novos valores como Flume, Vance Joy, Say Lou Lou, Flight Facilities, Grace ou Jarryd James. E os Paper Kites, pois então. Uma banda que se estreia em 2013 com um etéreo States a valer-lhes o epíteto de Bombay Bicycle Club da Filadélfia pelo cruzamento da indie folk/rock do colectivo britânico com o roots rock tipicamente americano.

Em 2015 encontramo-los praticamente livres das raízes folk e a pender principalmente para o lado americano da equação, num segundo disco onde se escutam ecos de Bruce Springsteen, Fleetwood Mac ou The War on Drugs e que, como o título deixa antever, se trata de uma experiência nocturna inteiramente composta entre as zero e as quatro horas da madrugada, suposto período em que o ser humano atinge o zénite da inspiração. A ajudar o grupo a revelar o seu lado lunar esteve o produtor Phil Ek, homem por detrás de discos basilares dos Built to Spill, Fleet Foxes ou Band of Horses.



twelvefour é feito à luz das estrelas, mas não exige necessariamente uma audição nocturna. Pede sim algum compromisso da nossa parte de modo a que se estabeleça uma ligação entre banda e ouvinte - escutar sem perder o foco das letras, melodia, tonalidades vocais e arranjos. Para ouvir em viagem, deambulações ocasionais ou no conforto do lar, mas sempre com predisposição para nos entregarmos a ele sem reservas.

E é fácil consegui-lo num disco que logo à cabeçeira conta com o apaixonante "Electric Indigo", a introduzir guitarras eléctricas no universo dos Paper Kites e sustentada por um leve compasso de drum machine que lhe confere uma atmosfera 80's. "Revelator Eyes" segue-lhe no encalço em diálogo veloz entre bateria e guitarra, num gingar próximo de "Dancing in the Dark". "Turns Within Me, Turns Without Me" devolve-os à instrumentação acústica e às encantatórias harmonias do disco de estreia, versando sobre a sensação avassaladora de encontrarmos "aquela" pessoa. Juntas perfazem as canções mais sorridentes que a noite pode oferecer.



"Renegade" vagueia pelas ruelas escuras do ser mas sonicamente nunca deixa transparecer a negritude que transporta nos versos; a problemática dos signos do coração de "Bleed Confusion" emula a interpretação consternada e narrativa de um Matt Berninger e as composições dos seus National; a auto-denúncia de "I'm Lying To You Cause I'm Lost" traz à memória as confissões conjugais em pano de linho soft rock dos Fleetwood Mac; "Woke Up from a Dream" lida com desilusões terrenas entre electricidade, harmónica e doces vocalizações; enquanto "A Silent Cause" e a belíssima "Neon Crimson" recuperam o cancioneiro folk intimista de Simon & Garfunkel, esta última com uma entrega vocal de veludo equiparável à de Mike Milosh dos Rhye.

As horas profundas da madrugada trazem a iminência da despedida e um inevitável fim, lugar que acolhe a canção mais extraordinária de twelvefour. "Too Late" é a resposta possível de quem ainda ama com fervor mas prefere afastar-se antes que a culpa e a mágoa de uma nova tentativa falhada sejam insuportáveis. O trote lento da bateria e o vibrato da guitarra acompanham a interpretação dolente mas sempre melódica do vocalista Sam Bentley - uma grande canção, lastimosa mas absolutamente linda. 



Que álbum fantástico, este. Os Paper Kites já haviam demonstrado o seu charme no disco de estreia, mas aqui apuram as ideias, crescem sobretudo a nível instrumental e as canções ganham outra textura e maior ressonância emocional. Que bonito seria vê-los a chegar ao terceiro disco num patamar de aclamação semelhante ao dos The War on Drugs. Tudo é possível, até mesmo para um quinteto de Melbourne. 

O disco está diponível no canal de YouTube da banda.

Classificação: 8,6/10

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