2015, Um Balanço Sónico- Os Discos Internacionais
Uma vez que a paixão por música (felizmente) não abranda de ano para ano, em 2015 decidi ser um bocadinho mais expedito e organizar uma lista dos 20 discos que mais gostei de ouvir ao longo destes trezentos e cinquenta dias. Algo como isto:
1º Everything Everything- Get to Heaven
Que mundo louco é este em que vivemos? Os 'Tudo Tudo' deram uma valente ajuda na compreensão dessa questão que nos aflige quando vemos o noticiário, abrimos o jornal ou damos por nós a observar determinadas situações do quotidiano. Megalómano, desconfortável por vezes, mas repleto de propósito e audácia, Get to Heaven catapulta os Everything Everything para uma liga à parte na esfera indie dos anos 10. Como previa, nem teve hipótese de discutir os lugares cimeiros das listas de melhores do ano (a Kendrick o que é de Kendrick), apesar de levantar tantas ou mais questões morais, políticas e sociais que To Pimp a Butterfly ou apresentar superior relevância musical quando comparado à maioria dos discos que ocupam lugares de destaque na contabilidade final de ano. Não importa. Há-de viver na memória de quem o escutou como o homónimo art rock de Yeezus. E um dos acontecimentos da esfera musical em 2015. Ver review
Pontos altos: "The Wheel (Is Turning Now)", "Fortune 500", "Zero Pharaoh" e "Warm Healer"
2º Rae Morris- Unguarded
Unguarded é mais uma jornada progressiva de canções construídas e divulgadas ao longo de três anos - oito delas foram incluídas em EPs - do que um típico álbum de estreia, mas que para todos os efeitos confirma Rae Morris como uma das mais promissoras jovens promessas a emergir do Reino Unido e que a apresenta enquanto singer-songwriter com grão na asa - da experimentação com a electrónica via Fryars, aos requintes synthpop pela mão do omnipresente Ariel Rechstshaid até ao esplendor acústico de alguns dos seus momentos mais delicados. É sublimemente produzido e entregue. Gosto mesmo muito dele. Ver review
Pontos altos: "Skin", "Don't Go", "Cold" e "Do You Even Know?"
3º The Paper Kites- twelvefour
Talvez porque nunca escutei a fundo nenhum disco do Boss Springsteen ou Fleetwood Mac me tenha apaixonado perdidamente pelo segundo dos Paper Kites, australianos que mostram ter estudado muito bem a cartilha folk, roots rock e americana em twelvefour, disco que nasce das tardias horas da madrugada para nos acompanhar do primeiro ao último raio de luz e para ouvir noite fora, à luz das estrelas. Ouvem-se ecos de War on Drugs, Simon & Garfunkel e dos já citados Fleet e Bruce num dos maiores tesourinhos saído dos Antípodas em 2015. Ver review
Pontos altos: "Electric Indigo", "Bleed Confusion", "Revelator Eyes" e "Too Late"
4º Disclosure- Caracal
Em sentido inverso ao da maioria da população mundial, a minha estima e admiração pelos Disclosure cresce de dia para dia. A desaceleração dos bpm por parte dos manos Lawrence não roubou particularidades essenciais à sua sonoridade: os Disclosure de Caracal ainda se dançam, mas sem gotas de suor. O foco está nas letras, nos vocalistas escolhidos a dedo e na produção requintada, desta vez em combustão lenta. A revolução pertence a Settle, enquanto a Caracal cabe a exploração de novas linguagens na house e garage pela via da pop. Talvez ajude o facto de ser um grande amante do estilo, mas continuo a achar que o álbum é excelente. Ver review
Pontos altos: "Holding On", "Hourglass", "Magnets" e "Superego"
5º Marina and the Diamonds- Froot
Froot encontra Marina and the Diamonds na plenitude das suas capacidades artísticas - é uma obra notável a nível lírico, melódico e vocal com um conceito apetitoso que deu o mote à inteligente campanha promocional em antecipação ao álbum. Auto-reflexivo e coeso do primeiro ao último tema, revela-se fulcral na compreensão de uma artista que por demasiadas vezes se escondeu sob máscaras ou na representação de arquétipos comportamentais. Uma consulta de psicanálise em 12 majestásticas canções - de pegar, trincar e meter na cesta. Ver review
Pontos altos: "Happy", "Forget", "Can't Pin Me Down" e "Savages"
6º Tame Impala- Currents
Sejamos honestos: um álbum que começa com uma canção de 8 minutos tão transcendente quanto "Let It Happen" só poderá estar destinado a ser um dos melhores do ano. O terceiro dos Tame Impala pode ter deixado os fãs de longa data à beira de um ataque de nervos, mas acreditem que fez imenso pela conversão de uma legião de novos seguidores, nos quais me incluo. O mote ainda é psicadelizar por aí, mas agora com os sintetizadores a apontar caminho e a conferirem um balanço funk e disco mergulhado em nostalgia setentista, num álbum de transformação pessoal e declarada mutação pop. Quão fantástico foi poder assistir a isto.
Pontos altos: "Let It Happen", "Eventually", "The Less I Know the Better" e "Love/Paranoia"
7º Julia Holter- Have You In My Wilderness
Nunca antes tinha encontrado uma artista como Julia Holter ou escutado um disco assim. Talvez tenha andado a desperdiçar uns bons anos de vida, mas penso que não seria capaz de apreciar ambos noutra altura ou idade da minha existência. Have You In My Wilderness é musicalmente complexo e polido, mas tremendamente sereno e apaziguante. Um belíssimo conjunto de canções - ou será apenas uma dividida em intrincadas ramificações? - entre a pop de câmara, electrónica minimal e algo mais de difícil catalogação. Não há nada de convencional nele e desenha um lugar e tempo que é apenas dele. Um disco incrível.
Pontos altos: "How Long?", "Lucette Stranded on the Island", "Sea Calls Me Home" e "Betsy on the Roof"
8º Florence and the Machine- How Big, How Blue, How Beautiful
Falemos de reencontros há muito aguardados. Quase quatro anos depois de Ceremonials encontrámos Flo e a sua máquina em mares mais revoltos e profundos, típicos de tormenta emocional, mas musicalmente mais maduros, brandos e dedicados a novas texturas, como comprova o registo blues rock de algumas das suas faixas. How Big, How Blue, How Beautiful é o projecto visto do Olimpo, mas com uma humanidade com a qual todos nos podemos relacionar. Ver review
Pontos altos: "What Kind of Man", "Queen of Peace", "Delilah" e "St. Jude"
9º Jamie xx- In Colour
Não se pode dizer que este seja o álbum de estreia de Jamie xx, antes a confirmação em disco das potencialidades que vinha desenhar há uma mão cheia de anos em remisturas, singles soltos ou trabalhos colaborativos. A cabeça pensante dos The xx apresenta em In Colour uma paleta de sons e emoções tão variada e rica como a gradação de cores que ilustra a sua capa - alegria, contemplação, delírio, tristeza, serenidade, frieza, calor. Não estica as pontas da música electrónica, mas induz-nos num transe caleidoscópico do qual não queremos despertar. Barulhinho bom.
Pontos altos: "SeeSaw", "Hold Tight", "Loud Places" e "Girl"
10º Kwabs- Love + War
Dificilmente encontraremos um melhor álbum de estreia em 2015: Love + War actua nos campos da soul, R&B e electrónica num interessante balanço entre tradição e modernidade. A produção dinâmica e vívida revela-se um trunfo arrasador quando aliada à quente e possante voz de barítono de Kwabs, candidata a oitava maravilha do mundo. Dêem-lhe uma oportunidade e verão que não se arrependerão. Ver review
Pontos altos: "Fight for Love", "Walk", "Make You Mine" e "Cheating On Me"
11º Carly Rae Jepsen- Emotion
Uma das histórias mais curiosas no que toca a capítulos discográficos em 2015 é a forma como a voz que imortalizou "Call Me Maybe" não se livra do rótulo de one-hit-wonder, mas ainda assim faz um estupendo álbum pop que apanha tudo e todos desprevenidos. Embalada pelo revivalismo dos anos 80, Carly Rae Jepsen apresenta em Emotion um corpo sólido e inescapável de canções que - mais ironicamente ainda - encontrou nos braços da crítica o afecto e estima que não recolheu junto do público. Terminaria no meu top 5 se o tivesse descoberto mais cedo. Ver review
Pontos altos: "Run Away With Me", "Gimmie Love", "All That" e "Warm Blood"
12º Miguel- Wildheart
Poucos estariam preparados para a tempestade sónica de Kaleidoscope Dreams (2012), uma das mais bem conseguidas obras da primeira vaga de R&B alternativo, mas com Wildheart o prazer foi bem mais imediato. Miguel pega na receita do disco anterior e junta-lhe mais rock, desejo e reflexão - sobre a vida e carreira na cidade de Los Angeles - retratando o R&B tal como este deve ser em pleno 2015: diversificado e em constante mutação. Frank Ocean, a bola está agora do teu lado.
Pontos altos: "coffee", "waves", "what's normal anyway" e "leaves"
13º The Weeknd- Beauty Behind the Madness
O segundo longa-duração de Abel Tesfaye mais comumente conhecido como The Weeknd é o perfeito exemplar de como um artista pode dar às massas aquilo que que estas querem, sem alienar a sua base de fãs ou comprometer as suas origens. Beauty Behind the Madness é essencialmente um disco de variadas e apelativas nuances - ora entre o R&B dito alternativo e o mais mainstream, ora entre uma pop sintetizada que amplificou a sua figura - de um assumido crooner da má vida, a meio caminho da mudança de escalão. Um homem e o seu destino. Ler review
Pontos altos: "Often", "The Hills", "Can't Feel My Face" e "Prisoner"
14º Charli XCX- Sucker
Estupidamente, Charli XCX perdeu quase todo o hype conquistado no Verão de 2014 com "Boom Clap" e a sua participação em "Fancy", daí que meio mundo não tenha assistido à rebelião pop punk que convocou no seu segundo álbum de originais. Sucker atesta todas as potencialidades pop que lhe vinham sendo apontadas num conciso esquema de canções estridentes e super teen, mas sempre inescapáveis. Proporciona, sobretudo, audições muito divertidas. Ver review
Pontos altos: "Break the Rules", "Doing It", "Breaking Up" e "Boom Clap"
15º Tobias Jesso Jr.- Goon
Envolta na melhor tradição de cantautores da década de 70 como Harry Nilsson, Emitt Rhodes ou a dupla Lennon/McCartney, a estreia em disco de Tobias Jesso Jr. soa a clássico intemporal para 2015. E faz-se de belíssimas canções - de amor, perda e desgosto - ao piano, entoadas pela sua voz de crooner vulnerável mas tremendamente honesto. Compraria o vinil caso tivesse um gira-discos cá em casa.
Pontos altos: "Without You", "How Could You Babe", "Hollywood" e "Leaving LA"
16º Neon Indian- VEGA INTL. Night School
Desde 2013 para cá que parece sempre existir um disco notável de recontextualização de ambientes disco/funk. Há dois, foram os Daft Punk com Random Access Memories. O ano passado coube essa distinção ao regresso de La Roux com Trouble in Paradise, e neste é o terceiro dos Neon Indian a preencher esse campo - a evoluir para lá do rótulo da chillwave, seja em vénias ao pai Moroder, em balanços de guitarra à la Chic ou monumentos erguidos aos robots franceses. Sonho autêntico de uma noite de Verão.
Pontos altos: "Annie", "The Glitzy Hive", "Slumlord" e "Techno Clique"
17º The Maccabees- Marks To Prove It
Foi difícil para os Maccabees perceber que direcção seguir depois do aclamado Given to the Wild (2012). Avanços e recuos, canções deitadas ao lixo e uma insatisfação permanente no seio da banda quase a levaram à dissolução. A solução passou por encafuarem-se num minúsculo estúdio da zona de Elephant and Castle, em Londres, alimentando-se tanto do tumulto interior como da consternação resultante do processo de gentrificação da área. Resulta daqui um disco algo conturbado, mas liricamente pungente e sublimemente construído.
Pontos altos: "Marks To Prove It", "Spit It Out", "Slow Sun" e "WW1 Portraits"
18º Grimes- Art Angels
Só descobri Visions (2012) este ano, daí estar um bocadinho atrasado no processo de compreensão artística de Grimes, mas o suficiente para ter ficado bem impressionado com o recém-lançado Art Angels, essencial na sua afirmação na esfera pop, sem perder a ousadia e visionarismo que a caracterizam. Aliado a isso, gosto também do aroma oriental: do universo manga sempre explorado nas capas dos seus discos acresce agora uma maior afinidade com traços estilísticos reminiscentes da k-pop. Espero vir a dissertar sobre ele em 2016.
Pontos altos: "Flesh without Blood", "Pin", "Kill V. Maim" e "Venus Fly"
19º Ibeyi- Ibeyi
Não há grande - ou nenhuma, para ser honesto - tradição de discos multiculturais/étnicos na prateleira cá de casa, daí que tenha a estreia em disco destas irmãs franco-cubanas que "adoptei" em Janeiro no espaço dos 'Magníficos' como uma referência neste ano de 2015. Distanciam-se do rótulo da world music com um interessante punhado de canções entre o R&B, a soul e derivações downtempo que vão beber à cultura Yoruba em que foram criadas. Tradição e modernidade, digitalismos e ritmos quentes, tribo e cidade - ou a história de uma ligação umbilical contada em 13 canções.
Pontos altos: "Oya", "River", "Stranger/Lover" e "Faithful"
20º Laura Marling- Short Movie
Há lá forma mais divertida de descobrir um disco do que este nos ser impingido pelos ouvidos adentro? Na prática pode não ter muita piada, mas quando nos calha uma Laura Marling na rifa, acreditem que se torna no melhor exercício imposto de sempre. Short Movie representa a aventura americana da cantautora britânica, a descoberta da electricidade e o aprofundamento das suas capacidades líricas e vocais que crescem a olhos vistos de álbum para álbum. Levou-me a explorar o resto da sua discografia e a descobrir coisas maravilhosas pelo caminho - será o retrato mais impressionante que uma jovem de 25 anos pode fazer de si mesma e do mundo que a rodeia. Ver review
Pontos altos: "False Hope", "Walk Alone", "Strange" e "Don't Let Me Bring You Down"
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