REVIEW: Rihanna- Anti
Anti arrisca-se a ser o título mais peculiar, não consensual e frustrante da discografia de uma Rihanna em ruptura com o passado e avessa às expectativas alheias.
Durante anos a fio, Rihanna esteve no topo da cadeia alimentar da pop. A editar discos a um ritmo avassalador, a semear hits sem cessar e a colher números 1 em tempo recorde. Foi assim de 2005 a 2012. Dali, acusou cansaço criativo e mediático que só uma pausa sabática conseguiu dissipar. O hiato fez-se longo e a fome por novo material foi sendo colmatada por pontuais colaborações e três singles editados em 2015 que revelaram ser um falso ponto de partida.
A espera, então aceitável, tornou-se sofrível. O que significavam os novos temas soltos? Porque razão não existiam informações quanto à chegada do novo álbum? Porquê tanto secretismo? A demora? A ausência de respostas? Demasiadas questões para uma mega estrela pop implacável que nunca nos tinha dado razão (ou tempo, na verdade) para matutar acerca do seu destino.
Anti chegou, por fim, sem honra nem glória a 28 de Janeiro último, após inúmeros falsos alarmes e meses de expectativa. Sem as canções que ajudaram a construir o hype. Sem campanha promocional, nomes grandes envolvidos ou singles sonantes. Mas sobretudo sem a citada supervisão de Kanye West. E talvez o dedo do todo-poderoso Yeezy tivesse feito a diferença no momento de recrutar e alinhavar as canções que compõem o alinhamento.
Durante nove temas, Anti soa ao álbum que Rihanna queria ter feito. Maioritariamente disruptivo, corajoso e arriscado. A aprofundar os territórios urbanos explorados com Rated R (2009) e o anterior Unapologetic (2012). Depois disso perde identidade e auto-flagela-se com três canções muito duvidosas que deixam transparecer hesitação e perda de controlo criativo por parte de RiRi - eis que Anti passa a ser o álbum incongruente e cobarde que demasiada ponderação e pressões externas arruínaram.
O arranque é particularmente notável. "Consideration" vive de um arranjo jazzístico, com os graves do contrabaixo a fundirem-se com produção boom bap tão característica do hip hop da década de 90. "I got to do things my own way darling", afiança RiRi no seu sotaque bajan, para depois expressar a forma como se sente restringida pela fama ("I needed you to please give my reflection a break"). SZA, artista emergente da Top Dawg, confere à canção uma bem-vinda singularidade. "James Joint" esfuma-se, apropriadamente, à velocidade de uma vagarosa passa, adornada por uma harmónica que é sempre sinónimo de Stevie Wonder. "Kiss It Better", outro dos momentos altos, situa-se algures entre o repertório de Prince (a guitarra eléctrica quase silva "Purple Rain" pela noite fora) e a volúpia R&B de Janet Jackson. Mas é "Dance for You" de Beyoncé que Rihanna provavelmente teria em mente.
"Work" devolve-a aos ambientes caribenhos explorados em vários momentos idos da sua discografia, uma decente mas pouco entusiasmante construção reggae-pop que figura como a mais desinspirada parcela do tríptico de colaborações com Drake. A brisa abafada do deserto que sopra em "Desperado" - o melhor western do próximo Verão - não convence à primeira, mas vai-se revelando a cada nova audição. O pináculo do disco pode muito bem estar no disfuncional "Woo", sinistro na sua passada de boogeyman, a recordar as criações deformadas e regadas a ácido de Yeezus. À falta de Kanye, temos um Travis Scott instigador na mesa de mistura.
"Needed Me" é R&B sintetizado e suado de graves monstruosos, assistido por um DJ Mustard que ainda encontra alguma vitalidade no meio de tantas solicitações. A mesma atmosfera downtempo e húmida perpetua em "Yeah, I Said It", explícito convite ao deboche a dois. A chegada de "Same Ol' Mistakes" - essa mesma leitura da faixa que encerra o último álbum dos Tame Impala - assinala o momento em que Rihanna deita a toalha ao chão. É certo que o epitáfio de Kevin Parker ao seu antigo eu é um mantra em que muitos se poderão rever, mas a @badgalriri não faz mais do que vocalizar por cima do original nos mesmos moldes psicadélicos. Sessão de karaoke não, obrigado. Vale pela imprevisibilidade e pelo statement, só.
Dali em diante, a honra do disco é arrastada pela lama. "Never Ending" é o tipo de balada acústica naive que já não a ouvíamos fazer desde os tempos de A Girl Like Me (2006). Contém uma ineficaz interpolação de "Thank You" de Dido e traz à memória aquelas cançonetas enjoadas da Eurovisão no ano em que as bielorrussas fogosas ficaram em casa. As coisas ficam ainda mais estranhas quando Rihanna se lança em inéditas acrobacias vocais num tema doo wop a que Meghan Trainor ou Pixie Lott fariam melhor justiça - é o inusitado e levemente humorístico "Love on the Brain", com direito a um bem mais interessante outro ("Higher") em registo embriagado/desafinado. A terna balada ao piano "Close to You" é adorável o suficiente para causar boa impressão, mas é impossível não nos sentirmos confusos com a reviravolta que se deu nesta última secção. Era tão melhor quando "Itna" era "Anti"...
Rihanna esteve perto de forjar o melhor capítulo da sua carreira, mas por alguma razão perdeu a motivação perto da meta. E nem era preciso um esforço adicional, bastava ter poupado a vida a "FourFiveSeconds", "Bitch Better Have My Money" e "American Oxygen" para as coisas serem diferentes. Assim, mais do que espaço para a aclamação de 2/3 do disco, sobra lugar para um sentimento de frustração para com aquilo que Anti poderia ter sido.
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"Work" devolve-a aos ambientes caribenhos explorados em vários momentos idos da sua discografia, uma decente mas pouco entusiasmante construção reggae-pop que figura como a mais desinspirada parcela do tríptico de colaborações com Drake. A brisa abafada do deserto que sopra em "Desperado" - o melhor western do próximo Verão - não convence à primeira, mas vai-se revelando a cada nova audição. O pináculo do disco pode muito bem estar no disfuncional "Woo", sinistro na sua passada de boogeyman, a recordar as criações deformadas e regadas a ácido de Yeezus. À falta de Kanye, temos um Travis Scott instigador na mesa de mistura.
"Needed Me" é R&B sintetizado e suado de graves monstruosos, assistido por um DJ Mustard que ainda encontra alguma vitalidade no meio de tantas solicitações. A mesma atmosfera downtempo e húmida perpetua em "Yeah, I Said It", explícito convite ao deboche a dois. A chegada de "Same Ol' Mistakes" - essa mesma leitura da faixa que encerra o último álbum dos Tame Impala - assinala o momento em que Rihanna deita a toalha ao chão. É certo que o epitáfio de Kevin Parker ao seu antigo eu é um mantra em que muitos se poderão rever, mas a @badgalriri não faz mais do que vocalizar por cima do original nos mesmos moldes psicadélicos. Sessão de karaoke não, obrigado. Vale pela imprevisibilidade e pelo statement, só.
Dali em diante, a honra do disco é arrastada pela lama. "Never Ending" é o tipo de balada acústica naive que já não a ouvíamos fazer desde os tempos de A Girl Like Me (2006). Contém uma ineficaz interpolação de "Thank You" de Dido e traz à memória aquelas cançonetas enjoadas da Eurovisão no ano em que as bielorrussas fogosas ficaram em casa. As coisas ficam ainda mais estranhas quando Rihanna se lança em inéditas acrobacias vocais num tema doo wop a que Meghan Trainor ou Pixie Lott fariam melhor justiça - é o inusitado e levemente humorístico "Love on the Brain", com direito a um bem mais interessante outro ("Higher") em registo embriagado/desafinado. A terna balada ao piano "Close to You" é adorável o suficiente para causar boa impressão, mas é impossível não nos sentirmos confusos com a reviravolta que se deu nesta última secção. Era tão melhor quando "Itna" era "Anti"...
Rihanna esteve perto de forjar o melhor capítulo da sua carreira, mas por alguma razão perdeu a motivação perto da meta. E nem era preciso um esforço adicional, bastava ter poupado a vida a "FourFiveSeconds", "Bitch Better Have My Money" e "American Oxygen" para as coisas serem diferentes. Assim, mais do que espaço para a aclamação de 2/3 do disco, sobra lugar para um sentimento de frustração para com aquilo que Anti poderia ter sido.
Classificação: 7,1/10
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