Temos de falar sobre Justin Bieber


Ultimamente têm sentido temperaturas febris, perturbações de sono, ligeiro caos mental e, sobretudo, uma vontade pecaminosa de ouvir "aquela" canção vezes sem conta? Não estão sós, há mais quem padeça do mesmo mal. O diagnóstico é simples - apanharam a Bieber fever. E não vale a pena entrar em pânico ou correr até à farmácia mais próxima, porque a única cura possível passa pela resignação.

Não querer reconhecer o impacto de Justin Bieber na cena musical dos nossos dias ou aceitar que os seus últimos esforços musicais estão uns bons furos acima daquilo que fez no passado e que os seus contemporâneos fazem actualmente, é o mesmo que continuar a acreditar que a Terra é plana (oi, B.o.B) ou nas profetizações erradas do calendário Maia (e, no entanto, ninguém nos devolve um 2012 livre de temores apocalípticos).

Um pouco à semelhança do que aconteceu com Taylor Swift em 2014, a percepção pública em torno da persona musical de Justin Bieber (não necessariamente em relação a si, já que a conduta moral continua altamente dúbia) mudou favoravelmente com a edição do seu último álbum, Purpose, e do excelente trio de singles que o acompanha. O crescimento artístico é notório, traduzindo-se principalmente na conquista de novos e inesperados públicos que, com maior ou menor resistência, têm ficado cativos às novas canções do jovem Biebs.



É preciso recuarmos quase um ano para perceber os primeiros sinais de mudança. A aliança com Skrillex e Diplo apanhou muito boa gente de surpresa ao evitar as areias movediças de dubstep em que o primeiro se move, em prol de uma produção EDM mais contemplativa e oriental. Foi eficaz na recaptura do público-alvo de Bieber e alertou a consciência das camadas pouco ou nada entusiastas do seu trabalho. Quando What Do You Mean? chegou, em Agosto passado, a arena já estava praticamente limpa para um regresso em grande, mas, uma vez mais, o single foi fundamental na introdução do "novo Justin Bieber" ao mundo - a cavalgar a onda do fenómeno em crescendo da tropical house, de vocalização mais comedida e melodia amena. Pouco ou nada a detestar, apenas uma leve e curiosa sensação de agrado.

Com "Sorry" o espírito manteve-se, mas audição após audição tornou-se claro que a canção seria mais difícil de ignorar. Estava lá a brisa tropical, mas desta vez o apelo pop era tão irresistível quanto o seu vídeo inteiramente coreografado. O combo entre a interpretação acetinada e a produção infalível e rica em detalhes de Skrillex e Blood Diamonds fazem desta a melhor canção do percurso de JB. À chegada de "Love Yourself", a delicada e orgânica balada acústica bem ao jeito de Ed Sheeran (tanto que tem créditos na escrita), já poucas reservas existiam - é a estocada final para a aclamação da nova fase de Bieber.



Quatro passos certeiros levam à opção mais evidente: escutar Purpose. É o registo mais maduro e substancial do artista canadiano, ainda que longe de poder ser aclamado ao nível de 1989. Digamos que está para Biebs como Justified esteve para Justin Timberlake - a prova de que há vida para lá do Rato Mickey. "I'll Show You" é uma carta aberta lacrada com selo de electrónica chill out; "Company" uma engenhosa construção de electro-R&B revestida a néon; "No Pressure" e "No Sense" flirtam com o lado urbano entre efeitos sci-fi, baixos sintetizados e influências trap; a pop dreamy presente em "The Feeling" vive da mesma costela de "Where Are Ü Now"; e nem nas mais normativas baladas ao piano - o tema-título e "Life Is Worth Living" - a fasquia desce. São confessionais e liricamente positivas. O único passo em falso parece ser mesmo a europop hiperbólica que se escuta em "Children", na qual a mão de Skrillex escorrega para onde não deve.

A força criativa acompanha, de resto, a performance nos topes. Justin Bieber tem sido o maior titã das tabelas de singles mundiais nos últimos seis meses, tendo coleccionado os seus três primeiros nº1 nos EUA e Reino Unido - e instaurando múltiplos recordes pelo caminho - nesse espaço de tempo. E no que aos álbuns diz respeito, surge como segundo maior best seller da actualidade, imediatamente atrás dessa força suprema que é Adele.

É um processo lento, primeiro agonizante e mais tarde apaziguador, este de reconhecer que Justin Bieber ganhou espaço na nossa ementa musical. Até porque ainda não é tão cool quanto gostar de Taylor Swift, nem nos trará grande prestígio junto de quem nos ouvir dizer que afinal o moço até presta. Paciência, a repressão não compensa a diversão que é rendermo-nos, por fim, à música do último artista que desejaríamos ver pintado.



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Comentários

  1. Continuo a não gostar e a não ouvir. Sorry (pun intended)

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    1. Sorry not sorry, nesse caso :)

      É um bocado contradizente dizeres que não gostas se não ouves. Depois de 20, 30 audições os singles acabam por fazer clique. Além do mais estão espalhados por todo o lado, é um bocado difícil não esbarrar constantemente com eles.

      É claro que desde logo terá que existir alguma afinidade com o novo som que agora pratica. Sortirá mais efeito com os amantes da pop. Mas ninguém está a salvo.

      Não só gosto bastante dos singles como do álbum, é legítimo todo este sucesso que está a ter. But I respect your opinion.

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  2. Não ouço, no sentido de comprar e depois ouvir, ou pelo menos de ouvir no Youtube ou no Soundcloud (etc.), ou no mínimo de ficar a ouvir quando passa na rádio ou TV.

    Já esbarrei com eles claro, mas isso não é por minha vontade e daí a eu ouvir Justin Bieber vai uma enorme diferença.

    Que isto é melhor do que a poluição sonora que ele já fez antes? Sem dúvida.

    Mas mesmo "Love Yourself", muito provavelmente o tema mais "ouvível" dele até à data, sempre o achei apenas "meh" das primeiras 2-3 vezes que ouvi e nem sabia que era do Bieber. Não deixa de ser um grande passo em frente, é verdade, já que tudo o resto que ouvi dele sempre achei o mesmo mas com "rda" no fim...

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  3. Pois, no início também fazia por ignorar, mas este ano tornou-se praticamente impossível. Como diz o ditado, "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura".

    Não diria que já fez bastante poluição sonora, tem um ou dois singles engraçados anteriores a esta fase ("As Long As You Love Me" e "Beauty and a Beat"). Mas agora é toda outra ambição e propósito.

    Estás no estágio um da febre, portanto. O vírus está adormecido, mas passível de ser activado. Poderá nunca passar daí ou evoluir gradualmente com os anos. Quem sabe um dia...

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