REVIEW: Sia- This Is Acting


Em This Acting Sia forja pérolas de lixo alheio, mas tal exercício empobrece o seu intelecto criativo e dessintoniza-nos de si mesma. 

O reaproveitamento de canções daria, quanto muito, material para um disco de compilações ou lados B de um artista com largos anos de carreira sem vontade ou necessidade de experimentar novos voos. Sendo a artista em questão uma cantautora de grão na asa com notável legado depositado em canções de grandes vultos do mainstream e uma interessante obra discográfica que só conheceu aclamação comercial ao 6º álbum de originais, a aventura terá de ser vista como um pequeno acto egoísta de uma intérprete que colocou sempre os outros em primeiro lugar e só agora começa a olhar para si mesma, para a sua carreira, e a concretizar as suas ambições.


Se 1000 Forms of Fear (2014) foi a bem-sucedida tentativa para chegar à tal plateia que já a escutava cantada em vozes alheias ou em afamadas colaborações, o novo This Is Acting corresponde à consagração de Sia enquanto artista a solo, que ao recolher do caixote antigos temas rejeitados pelos ilustres com quem tem colaborado ao longo destes anos, tem em mãos outra colecção de potenciais êxitos que deverão repetir o sucesso do anterior disco, mas não reunir a mesma aclamação crítica.

Ainda que escritas por si, ao reclamar como suas as canções que deveriam ter ido parar a outros artistas, a identidade de Sia dilui-se nos moldes sónicos alheios. E é esse o principal obstáculo ao desfrute do disco: os fantasmas dos antigos donos assomam em cada faixa, questionando-nos se não teriam feito melhor justiça a temas que, na verdade, foram desenhados à sua medida.

"Alive", o 1º single, foi rejeitado por Adele no decorrer das sessões de gravação de 25. Parece ser um dos poucos casos de bem sucedido reaproveitamento, pois é difícil imaginar outra intérprete (até mesmo a voz de "Rolling in the Deep") a entregá-lo de forma tão visceral e arrebatadora quanto a tímida australiana. O mesmo não acontece com "Move Your Body", exótico e vibrante pedaço de dance pop aparentemente dispensado por Shakira, ou "Cheap Thrills", cálida composição reggae pop que Rihanna não quis gravar para Anti, e à qual Sia não consegue corresponder com o devido tempero.



Personificações mais inspiradas aguardam-nos em "Sweet Design" e "Broken Glass". A primeira parece ter escapado algures do alinhamento do penúltimo álbum de Beyoncé, uma agitada e triunfante mescla de sons com África ou o Brasil em mente que recorda a dinâmica produção de Timbaland. A segunda acolhe inspirações do Médio Oriente nos primeiros segundos, sendo depois catapultada para a estratosférica dimensão baladeira de uma Celine Dion ou, para sermos mais contemporâneos, Lea Michele - atmosférica, emocional e a puxar a valer pela caixa torácica.

As recriações, por outro lado, também não abonam a favor de This Is Acting - quando Sia não está preocupada em mimetizar intérpretes, empenha-se em reciclar ideias do álbum anterior. Ouvem-se ecos de "Dressed in Black" em "Bird Set Free", de "Fire Meet Gasoline" em "Footprints" e recortes de "Cellophane" na sofrida "Space Between".



"Reaper", essa mesma assistida por Kanye West e desviada do caminho de RiRi, figura como uma das ofertas mais cativantes e singulares do álbum, surpreendentemente luminosa e radiofónica para a casaca do todo-poderoso Yeezy. Por fim, "One Million Bullets" e "Unstoppable" revisitam território lírico já muito esbatido e musicalmente não trazem nada de novo para a mesa, mas na voz da australiana soam imbatíveis e dignos de guardar para a posteridade.

Na peculiar carreira de Sia, este seu sétimo álbum equivale a um segundo. Desenhado a regra e esquadro para fidelizar o público já existente e conquistar mais algum pelo caminho. Feito de retalhos com o labor de uma vida. Faltou-lhe investimento emocional e a profundidade lírica do costume. Porque esta é a sua voz a registar vivências e emoções alheias. Por agora passa, mas seria bom vê-la a experimentar algo diferente e mais ousado no próximo capítulo da sua extraordinária história.



Classificação: 6,8/10

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