2014: Um Balanço Sónico- Parte VIII

As figuras

 
Beyoncé

É capaz de ser a presença mais silenciosa de 2014, mas ao mesmo tempo tão impactante. A 13 de Dezembro de 2013, Beyoncé mudava as regras do jogo com a edição do primeiro álbum visual da história da música, disponível apenas no iTunes, sem campanhas de marketing associadas ou avisos prévios de lançamento. O que sucedeu depois já é sábido: a histeria total seguida de vendas digitais astronómicas e um enorme "ahhhh" de assombro global por assistirmos a um movimento revolucionário de uma das maiores estrelas pop do séc. XXI.

Nos dias e meses que se seguiram, Beyoncé não só mudou as regras do jogo como entrou num novo patamar da sua carreira, visual e artisticamente falando - sem limitações ou receios de abordar certas temáticas líricas ou experimentar sonoridades tão distantes das cores primárias do R&B. Sasha Fierce? É coisa do passado. A Beyoncé de 2014 liberta-se dos rótulos e expectativas de terceiros para falar de bulimia e do culto excessivo da beleza em "Pretty Hurts", de problemas matrimoniais em "Jealous", depressão pós-parto em "Mine", pós-feminismo em "Flawless" ou fantasiar acerca de sexo explícito em "Blow" e "Rocket".

Alguém sabe enumerar os singles extraídos do disco? Pouco importa o impacto que tiveram quando a obra vale pelo todo e consegue ser apreciada por isso mesmo. Assim o comprovam os 5 milhões de cópias vendidas, o inesquecível medley do álbum protagonizado na última edição dos MTV Video Music Awards, em que foi agraciada com o Video Vanguard Award, ou as recentes 6 nomeações conquistadas para a edição de 2015 dos Grammys. 

A máquina parou e é Queen B quem controla agora a engrenagem. Respect that. Bow down, b*tches?

 
Sam Smith

O sucesso de Sam Smith só apanha desprevenido quem nunca escutou "Latch" e "La La La", dois dos maiores êxitos do ano passado. Voz angelical de alcance igual ou superior às grandes divas da soul, uma musicalidade imensa e traquejo de quem faz isto há largas décadas, ainda que o B.I. não acuse mais do que 22 anos. 

Faltava apenas a estreia em nome próprio para confirmar as suspeitas. Ela chegaria em Maio último sob a forma de In the Lonely Hour, compêndio de mágoa e desolação de um jovem que amou e não foi correspondido. O próprio confessaria em vésperas da edição que narrava a história de como foi rejeitado por um homem, apesar das canções nunca especificarem um género ou terem como chamariz questões de identidade sexual. Afinal de contas é uma história que tantos outros já viveram, no feminino ou masculino.

Esse é o primeiro grande triunfo de Sam Smith: a transparência em prol da arte, sem receio de rótulos ou mentalidades tacanhas. Tal não seria possível há uns anos atrás, mas ele conseguiu que a música triunfasse sobre tudo o resto. A segunda será mesmo que um par de singles apenas - "Money on My Mind", "Stay with Me" ou "I'm Not the Only One" - consigam disfarçar a falta de um disco coeso e bastante à margem das imensas potencialidades que o jovem Sam aparenta ter. É o triunfo da voz majestosa e da história que conta.

O terceiro baseia-se nos números: In the Lonely Hour termina 2014 como sendo o único álbum a ter vendido este ano 1 milhão de cópias tanto nos EUA como no Reino Unido. Não esquecer as 6 nomeações angariadas para a próxima edição dos Grammy Awards, que são o espelho do fabuloso ano de estreia que teve.

O triunfo parece ser mesmo a premissa de tudo aquilo que se seguirá na história de Sam Smith. Uma a que vale a pena estarmos atentos. Venham as próximas páginas.

As canções nacionais

Sequin- "Naive"

Eu já contei aqui a história de como não comecei com o pé direito com Sequin. Teve que ser "Naive" a mostrar-me o caminho para a electropop 8-bit de Ana Miró, sempre bem encaminhada por Moullinex. Adoro o contraste entre a robustez da batida tão maquinal e a fragilidade meio desajeitada mas tão humana da voz - é pegadiça, memorável e apaixonante. Repeat after me: 'cause I am, what I aaam, and I giiiive what i can! E quem faz uma canção destas, a mais não é obrigada. 



Salto- "Can't You See Me"

Aconteceu-me estar a construir esta lista e recear não poder incluir este tema por pensar que pertencia a 2013 - essa sensação de omnipresença pode ser encarada como um sinal de que há muito aguardava por uma canção assim em solo nacional. "Can't You See Me" foi o ponto alto de Beat Oven - o interessantíssimo projecto experimental de synths, beats e samples que os Salto fizeram algures após "Deixar Cair" e antes de percorrerem "Mar Inteiro" - que só me faz querer que larguem as guitarras para se dedicarem a tempo inteiro à mesa de mistura. 140 segundos que valem pela vida.



Capicua- "Sereia Louca"

É tão redutor resumir o rap a um universo de homens como o último disco de Capicua a "Vayorken". Não. Poucas haverá, mas daqui em diante o caminho será mais fácil porque Ana Matos desbravou terreno não só pelo contágio desse single, mas sobretudo pela força do restante material que compõe este seu segundo disco. O tema-título é para mim a melhor canção do ano, não só porque me acompanha de há 11 meses para cá, mas também porque a mensagem que transporta é tão verdadeira e actual: uma louca que apenas o é porque ninguém senão ela tem coragem para "gritar, chorar, bramir, esbracejar" e de remar contra a maré, mas começa-lhe a faltar o "ar" para continuar a "cantar" e nada lhe restará senão o "silêncio" comum a tantos que perderam a fé e força. Que elas e a loucura de Capicua não nos falhem em 2015.



Os álbuns nacionais

Capicua- Sereia Louca

Expectavelmente, Sereia Louca novamente. Não dá para não nos apaixonarmos por este disco nem como não reconhecer a sua importância à luz dos tempos que correm. É o disco do tempo que passa veloz ("Síndroma do Peter Pan") do tempo em que o tempo não tinha hora marcada ("Vayorken"), da figura feminina olhada de lado pela sociedade ("Mulher do Cacilheiro"), da marcha de despedida solene ("Soldadinho"), da consciência ecológica ("Líquida"), do orgulho invicto ("Mão Pesada"), do sol que espreita entre a folhagem ("Lupa") ou, simplesmente, o disco em que Capicua decide que não vai "cumprir com a p*** da expectativa". E é dessa forma que deita por terra uma série de ideias pré-concebidas e constrói uma obra singular para os tempos presentes e aqueles que hão-de vir.

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