REVIEW: Kelly Clarkson- Wrapped in Red


Vamos por partes. Adoro o Natal e adoro Kelly Clarkson. E há cerca de 365 dias que me penitencio por não ter abordado este disco na altura em que foi lançado. O bom dos álbuns festivos é que, ao contrário dos demais, não correm o risco de soar datados nem de passar de moda, regressando sempre nesta época. O mau é que hibernam grande parte do ano. Estou a 7 dias de perder novamente o comboio, mas desta vez tirei o bilhete a tempo e vou finalmente desembrulhar Wrapped in Red com todo o amor e paciência.

Se não gostam mesmo do Natal, não há nada a fazer. Já vos perdi logo a meio da primeira linha. Se têm o espírito mas não suportam Kelly Clarkson, nesse caso poderei ser útil. Estão a ver aquela rapariga com pulmões de aço, cheia de mágoa reprimida e intentos vingativos contra a ala masculina que parece só saber cantar acerca de duas coisas: desgostos amorosos e... desgostos amorosos? Podem esquecê-la. Nem o Natal se faz de dramas românticos nem a American Idol original pretende viver com esse rótulo para o resto da carreira. Por isso toca a dar-lhe uma oportunidade.

Há uma coisa que uma vez li a seu respeito que nunca mais me esqueci. Creio que foi Dr. Luke em tempos que o disse, que ela era "o Lance Armstrong das cordas vocais". Sem o doping à mistura, acrescento eu (que aplicado à música seria algo como a utilização de auto-tune ou playback). E esse pensamento está comigo desde o primeiro instante em que escutei Wrapped in Red, que antes de ser um álbum natalício é um disco formidável em termos vocais e interpretativos que expõe, como nunca antes um álbum seu expôs, o magnífico aparelho vocal que possui.



Esse é o grande atractivo do disco para quem chega até ele pela via da curiosidade. Quem vem pela tradição, melhor ainda, pois descobre - palavra de honra - um dos mais belos álbuns de Natal de que há memória. Muito provavelmente, o melhor editado por uma artista pop desde o mítico Merry Christmas de Mariah Carey há exactamente 20 anos atrás. 

O disco oferece-nos 14 temas, entre eles 5 apetitosos originais criados em parceria com o notável Greg Kurstin: o tema-título versa acerca de amor não correspondido em pleno Natal mas com uma centelha de esperança de que as coisas dêm certo; "Underneath the Tree" é o fiel sucessor de "All I Want for Christmas Is You", garrido, ultra-festivo e inescapável; "Every Christmas" transforma-a numa cantora soul de mão cheia; "Winter Dreams (Brandon's Song)" é dedicada com amor ao seu marido e desenha fogo de artifício no céu estrelado, enquanto "4 Catarats" é o hino ao materialismo da quadra que resulta no momento mais pop e artificial do registo. 



Mas é nos grandes clássicos da época que Wrapped in Red verdadeiramente reluz. "Have Yourself a Merry Little Christmas" é um abraço caloroso capaz de aconchegar até os corações mais empedernidos e envoltos em grossas camadas de gelo; "Run Run Rudolph" é uma expedita aventura pelos meandros do ol'good rock and roll, para quando a noite já vai bem animada; "Please Come Home for Christmas (Bells Will Be Ringing)" traz-nos melancolia em modo bluesy; também "Blue Christmas" recebe uma belíssima rendição, permitindo a Kelly mostrar a voz num registo mais soft e saloonesco que lhe é pouco conhecido; "Baby, It's Cold Outside" oferece-nos um ternurento dueto entre ela e o músico country Ronnie Dunn; "White Christmas" é outro dos pontos altos do registo, um retrato daquilo que se idealiza como sendo o apogeu da noite de Natal, com a família toda junta à lareira e com a neve a cair lá fora; "My Favorite Things" é o momento Broadway do álbum, tão delicioso e encantador; "Just for Now" é adaptado de um original de Imogen Heap e resulta num dos temas menos convencionais e mais temperamentais; a fechar o álbum temos a ancestral "Silent Night", numa bonita união de vozes country acapella como que numa peregrinação ao presépio.



Era maravilhoso em 2013, continua a sê-lo em 2014 e assim continuará por muitos e bons anos. Facilmente, o melhor álbum alguma vez editado por Kelly Clarkson - perfeita selecção do reportório, escolha do produtor e engenheiros de som, captando de forma irrepreensível tudo aquilo que se quer ouvir e sentir num álbum natalício. Um clássico para os tempos modernos que me faz acreditar que Kelly sai daqui preparada para novos e entusiasmantes voos. 



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