REVIEW: Kelly Clarkson- Piece by Piece


A American Idol original reforma-se dos desgostos amorosos e das amarguras ao sétimo tomo discográfico, Piece by Piece, o primeiro disco de inéditos pós-matrimónio e maternidade. Mas a felicidade torna-a mais aborrecida e menos pujante que outrora. 

Adivinha-se que um novo embate com a música de Kelly Clarkson seria radicalmente diferente das vezes anteriores. Vejamos: desde Stronger (2011), a última obra de originais, seguiram-se uma retrospectiva de carreira em 2012, um álbum de Natal em 2013, a chegada dos 30, da felicidade conjugal e de uma filha. Sentia-se essa necessidade de mudança e a vontade de fazer algo diferente.

Entendo Piece by Piece como sendo o primeiro passo para uma regeneração artística que conhecerá novos e interessantes desenvolvimentos no futuro, mas que por agora representa o fechar de um ciclo. É o final feliz que nunca julgou ser possível, e talvez por isso lhe falte algum pulso e tacto para a garrida paleta de cores de que reveste as novas canções. E que nós, ouvintes, as estranhemos às primeiras audições.



"Heartbeat Song" cheira bem mas sabe a pouco - é o tipo de single que se esperava de All I Ever Wanted (2009) ou de uma Demi Lovato sedenta de um test drive vocal. "Let Your Tears Fall" é um bailado electro à chuva, demasiado maquinal para um apelo emocional tão genuíno, que não destoaria no último álbum dos Maroon 5. A ruptura mais evidente com o passado dá-se em "Take You High", expedita junção de sons orquestrais, em jeito de marcha lunar, com influências de EDM no refrão ultra-espacial. Custa a processar, mas eventualmente faz clique.  

Os argumentos mais fracos do disco esgrimem-se ao som de "I Had a Dream", louvável na intenção mas quase sofrível na execução (nem o coro de gospel a salva da sarjeta); "War Paint", que soa a versão datada de "Take It Off" de Kesha: bastava substituir os sintetizadores pelas guitarras, senhora. E a dormência de "Tightrope" também nos faz perder tempo - estaria melhor nas mãos de Ed Sheeran ou nas dos OneRepublic.

Respirem de alívio, pois daqui as coisas começam a melhorar. 3 boas surpresas? O irresistível convite de folia em "Dance with Me", algures entre "Gypsy" de Lady Gaga e "Ray of Light" de Madonna; a deliciosa combustão pop/rock 80s presente em "Nostalgic" - a pedir versão urgente de karaoke - uma espécie de flashforward na vida conjugal da cantora, para quando o cansaço matar o desejo; e "Good Goes the Bye", o tipo de canção que os Lady Antebellum fariam se um dia trocassem a country pela synthpop. Nada me demove de achar que há algo do "Pintinho Piu" naquele refrão.



Deixei prepositadamente o melhor para o fim. Piece by Piece quase que se faz inteiramente à custa de 4 canções: a gigantesca "Invincible", testemunho de quem já nada tem a temer e se tornou superior às agruras da vida ("I was hiding from the world/ I was so afraid, I felt so unsure/ Now I am invincible, another perfect storm"); "Someone", o emotivo pedido de não-desculpas a um amor antigo ("So this is my apology, for saying all those shitty things/ I wish I really didn't mean/ I'm sorry, I'm not sorry"), que funciona como a "Dark Side" deste disco e a sua versão muito própria de "Someone Like You"; a belíssima "Run Run Run" em dueto com John Legend, a merecer um bom quinhão de Grammys pela notável performance vocal, ainda que os Tokio Hotel a tenham gravado (e registado) primeiro; e o tema-título do disco, em que Kelly recupera a sua fé nos homens, distorcida no passado pela má conduta da figura paterna ("Piece by piece, he restored my faith, that a man can be kind and a father could stay") - o marido agradece.

Menos guitarras, menos ira, menos drama. Resultado? O seu disco mais fraco desde All I Ever Wanted, mediano e sensaborão. Se Kelly Clarkson é feliz a título pessoal, na música dá a entender que só o será quando fizer o tal álbum country de que há tanto tempo fala. E tanto na vida como na arte, o que mais queremos é vê-la feliz. Venha ele. 

Classificação: 7/10



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