O que há para dizer acerca do Festival da Canção 2015?

Francamente melhor do que no ano passado, ridiculamente superior do que há dois (pudera, não houve) e tão morno como há três. À partida seria sempre melhor que a edição anterior, porque mais baixo não podíamos descer, mas no ano em que se celebravam 50 edições do Festival esperava-se mais pompa para a circunstância desejada.

Para mim o ponto mais negativo foi o estúdio. Encafuar intérpretes, bailarinos e orquestra num espaço rectangular onde mal cabia um elefante foi uma péssima ideia. Tantos teatros e salas de espectáculo por esse país fora e toca de realizar o certame mais histórico da música portuguesa numa arrecadação. 

Seria de pensar que o dinheiro dos contribuintes foi gasto na construção de um - aliás, três - espectáculos que honrassem a data que se assinalava, mas tirando medleys paupérrimos de antigos êxitos do Festival, como todos os anos acontece, parece que o orçamento foi todo gasto em confettis. E porquê insistirem no modelo das duas semifinais e final, quando tudo se podia decidir de uma vez só? Com 20 canções a concurso (como aconteceu em 2010) ainda se tolerava, agora com 12 é desnecessário. 

De um modo geral, gostei dos concorrentes. O que não significa que tenha gostado das canções. Acho que era um leque muito variado de intérpretes que juntava desconhecidos, velhos conhecidos (nunca vi a classe dos talent shows tão bem representada) e glórias da música portuguesa. Já para não falar da forte aposta que houve este ano na escolha dos compositores por parte da estação.

Vou agora focar-me nas 6 canções finalistas e respectivos intérpretes:

Vencedora: Leonor Andrade- "Há Um Mar Que Nos Separa"- Era uma das minhas três eleitas e acabou por arrebatar o título nesta edição. A canção não é um estrondo, assim numa onda muito pop/rock FM a que o Miguel Gameiro nos habituou, mas ela é um estrondo de vocalista e soube vender muito bem a canção. A pujança vocal e a postura corpural são os seus maiores trunfos. É jovem, tem uma presença bonita e o mar tem sido um bom amuleto para os portugueses - poderá ser ela a devolver-nos à final da Eurovisão, 5 anos depois da última presença.


Teresa Radamanto- "Um Fado em Viena"- Parece-me ter sido traçada a régua e esquadro. Tinha fado e o nome da cidade anfitriã no título. Falava de Lisboa e saudade. E era um quase-fado ao jeito da Revista Portuguesa. Teria sido uma boa escolha, também. Ela é uma intérprete excepcional (tanto que eu gostava de a ouvir no Dança Comigo) e mesmo assim a canção era bastante exigente para ela. 

Gonçalo Tavares- "Tu Tens uma Mágica"- Nem sabem a confusão que me faz este título. Tu tens uma mágica??? Credo, que ataque hediondo à lingua portuguesa. Muito sinceramente acho que deveria ter sido o próprio José Cid a dar a cara por ela, já que a compôs e o seu intérprete limitou-se a mimetizá-lo. A canção tinha a sua piada... se estivessemos em 1986. 

Yola Dinis- "Outra Vez Primavera"- Achei tudo um bocadinho assustador ao primeiro embate. O visual da senhora era medonho e a canção algo impetuosa. Gostei muito mais de vê-la e ouvi-la na final, tanto que cheguei a pensar que seria ela a vencedora. E dei por mim com pena de não ter passado ao leque das 3 finalistas. Acho que nos daria as melhores hipóteses de apuração.

Simone de Oliveira- "À Espera das Canções"- Vénia demorada para falar desta senhora, uma verdadeira instituição da música portuguesa. A todos os que zombaram da sua participação, pensem o seguinte: preferem os que têm só garganta ou que passam das palavras à acção? Pois foi o que Dona Simone fez. E penso eu que não ofendeu ninguém. Teve uma canção com classe, uma prestação irrepreensível e foi a pedra preciosa de uma cerimónia sem brilho. Aplaudo de pé, pela coragem, pelo exemplo e pela grande senhora que é.

José Freitas- "Mal Menor (Ninguém me Guia à Razão)"- Facto: temos um sério problema em nomear as canções. Este título não ofende a língua portuguesa, mas atenta contra a paciência dos espectadores. O caro José Freitas esfalfou-se, como sempre, mas a canção dificilmente caíria no goto dos portugueses. Demasiado bluesy, demasiado "Georgia on My Mind".

Das canções que ficaram pelo caminho, achei muito interessantes as participações da Rita Seidi ("Lisboa, Lisboa"), se bem que a Europa não ia perceber patavina do que se estava ali a passar; do Filipe Gonçalves ("Dança Joana"), o nosso Pharrell luso, que mostrou um grande groove que sempre nos falta, e da minha estimada Diana Piedade ("Maldito Tempo"), a dar-nos um ar de Janis Joplin. Tivesse-nos antes brindado com uma malha rock como no tempo do Ídolos, e as coisas teriam sido diferentes. Mas gostei muito de revê-la, mesmo. 

Últimas palavras para comentar o sistema de voto. Dar a primazia ao público é compreensível mas nem sempre sensato (não nos faltam exemplos de más escolhas populares, certo?). Permitir que os compositores também tenham uma palavra a dizer é que não entendo lá muito bem. Quem nos garante que não votam neles próprios? Serão capazes de votar com isenção ou as amizades falarão mais alto? O que é feito do voto baseado no júri nacional? 

Enfim, coisas que não vale a pena perder muito tempo a debater ou a tentar perceber, sequer. Festival da Canção sem pontas soltas nem seria Festival. Já me dou por muito contente em termos uma representante digna. Vemo-nos na Eurovisão.

Comentários

  1. Depois da piadola do ano passado (que a Europa parece nem ter desgostado dado o 6.º lugar no televoto), já me dou por contente pela selecção de uma canção bastante razoável este ano. Diria que o público esteve bem.

    Não vejo é grande utilidade na Eurovisão actualmente, parece-me uma mera feira de vaidades, lobbies, politiquices, vizinhices e parvoíces. E não falo especificamente de Portugal, mas no geral. Se pensarmos por exemplo que o Reino Unido tem a segunda maior indústria da música a nível mundial e tende a ficar sempre pelos últimos lugares...

    [Não sei porquê mas há qualquer coisa no José Freitas que invariavelmente me dá sempre uma grande vontade de rir]

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  2. E se bem me lembro foi por um triz que não passou à final, acho que ficou em 11º na votação, quando passavam apenas os 10 mais votados. Piada mais ridícula só mesmo os Homens da Luta em 2011, esse sim o nosso mínimo histórico. De canção passámos a um Festival de Intervenção.

    Só tenho idade para me lembrar da Eurovisão no séc. XXI, por isso para mim sempre foi o certame das fogosas do leste, do europimba/europop de mau gosto e dos consecutivos vexames que o Reino Unido colecciona. Ocasionalmente tem umas boas pérolas, mas vale mais pelo espectáculo em si do que pelas canções.

    Começo a achar que a entrada da Austrália este ano não é mais do que um motivo para abrir as portas a outras nações do mundo, o que acabaria por descaracterizar a premissa do evento. Vai na volta, ainda vence...

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