No dia em que fui ao meu primeiro festival

30 de Maio de 2008. O calendário haveria de permitir uma vez por ano que um dos seus 365 dias tivesse 48 horas. E que nós o pudéssemos escolher, de preferência. Em 2008 o meu teria sido gasto no penúltimo dia de Maio, aquele que marcou a minha estreia num festival de música. 

As primeiras 24 horas teriam sido passadas como todas as outras à época, num banal dia de escola. As restantes 24 seriam claramente gastas a preparar-me para a única coisa que de facto importava naquele dia: a minha ida ao Rock in Rio Lisboa.  

O facto de ser sexta-feira e de ter uma catrefada de testes e trabalhos com que me preocupar – há que adorar a recta final dos anos lectivos – não ajudava em nada. Não estava particularmente interessado em conhecer os desafios nacionais que advinham do alargamento da União Europeia ou descobrir o destino da família japonesa que tinha decidido confeccionar fugu à refeição (mais tarde vim a saber que não faleceu, menos mal). Queria apenas que o dia nascesse para cumprir o seu propósito – o de me iniciar no rito festivaleiro. 

Alegria. Nervoso miudinho. Entusiasmo. Medo. Todos eles ampliados à exaustão, de uma forma que nunca antes tinha vivido. E a verdade é que parte de mim estava dormente até aquela noite. Para um puto de 16 anos cujo maior acontecimento musical se cingia às festinhas lá da aldeia, a estreia num festival de grande dimensão era capaz de ser um dos momentos mais incríveis da sua vida. 

Recordo-me de como o recinto se assemelhava a uma romaria gigante. Ou 50 festinhas de aldeia dentro de uma grande romaria do rock. De como a massa humana gravitava ora em redor da música, dos stands promocionais ou da cerveja. De como a Ivete Sangalo fazia de facto as pessoas levantar o pé e o pó do chão. Do quão perto o Lenny Kravitz esteve de arruinar um concerto graças à sua momentânea megalomania prog rock. Do quão reconfortante foi saber que Amy Winehouse afinal tinha mesmo vindo e o quão decepcionante foi depois perceber que mais valia ter ficado na clínica de reabilitação. Podia ter arruinado tudo, mas não a "Valerie". De sentir que o fumo daquele cigarro da pessoa de trás não cheirava ao de um cigarro normal. De olhar para quem me rodeava, para o palco e depois para as estrelas, e perceber que não podia ser mais feliz naquele momento. 

Lembro-me de ter vindo a cantar o tempo todo no caminho para casa e de pensar que talvez seria felicidade com outra substância mais. De não querer que a noite acabasse, mas sabendo que o corpo queria era descanso. De estar em silêncio no quarto, com o ruído do festival ainda nos ouvidos. De ter pensado, segundos antes de adormecer, que mal podia esperar por viver tudo aquilo outra vez. Parte de mim dormia, sim, mas outra tinha acabado de despertar. Não me tenho dado nada mal desde então.  



A canção de cima foi provavelmente o meu momento favorito do concerto do senhor Lenny. Não posso dizer que tenha havido um em particular no da Amy, mas guardo uma pontinha de satisfação por ao menos tê-la visto em (des)concerto antes de nos abandonar. É nos momentos de lucidez que a devemos relembrar e valorizar, por isso acendo a minha velinha ao som de "Tears Dry on Their Own":



* O repto foi dado em plena aula quando o estimado RMA nos pediu para escrever uma crónica com a seguinte deixa "No dia em que eu...". Logo pensei que tinha esgotado as minhas temáticas com a Odisseia Musical, mas afinal havia um episódio que me tinha escapado. Ainda bem que me lembrei de o contar - é uma página de diário especial e fazia falta aqui. 

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