Alessia Cara entre o céu e o quarto


Até aqui havia uma canção promissora. Agora há um EP com essa e outras quatro que confirma as melhores suspeitas - Alessia Cara não é a primeira estrela emergente nascida no YouTube, mas a primeira a concretizar-se pelo impacto sócio-cultural de Lorde, arriscando seriamente a tornar-se na voz geracional de 2015 tal como a neozelandesa o foi há dois anos. 

Descendente directa na medida em que transmite os mesmo valores - crítica social, comunhão entre tribos, apego ao meio local e a identificação com o rótulo de outsider - que a voz de "Royals" veiculava. Mas as semelhanças ficam por aí: o código postal é diferente, a forma como nascem para a indústria também e os espectros musicais diferem igualmente.

Four Pink Walls só chega fisicamente esta sexta (dia 28) mas a sua autora fez chegar mais cedo à internet os quatros temas que faltavam conhecer do seu alinhamento, apresentando-os à boa moda do it yourself adoptado pela maioria dos nativos digitais - colocando-os no seu canal do YouTube sob a forma de gravações caseiras por si captadas, livres de qualquer orçamento e sujeitas a pequenos retoques no Windows Movie Maker. 

Sim, Alessia Cara pode ser uma das grandes apostas da Def Jam para o último quadrimestre de 2015, mas continua a comunicar com o seu público como se ainda estivesse no seu quarto a falar-lhes directamente da webcam - tão importante é a mensagem como o meio em que esta é transmitida. Espreitemos o conteúdo:

"Four Pink Walls"

"Now I wake up to a different bedroom everyday
living up in the clouds thinking of how it all changed"

Old school R&B e hip hop com a técnica de scratch bem implementada. Versa acerca de como as quatro paredes em que construiu o seu sonho estão a dar lugar a algo maior e muito desejado.



"Outlaws"

"They'll never understand the honor
among these thieves"

Ginasticado tema soul com pendor doo-wop a fantasiar com o escape à sociedade, projectada na figura de Bonnie e Clyde - forasteiros com tendência a quebrar regras. Combo entre Meghan Trainor e Bruno Mars.



"I'm Yours"

"I don't give myself often
but I guess I'll try today"

A batida é insana e levemente urbana, o refrão é assumidamente pop e os créditos da produção (ainda por revelar) poderiam pertencer a Max Martin ou Rodney Jerkins. Tem o seu quê de Justin Bieber/Cher Lloyd.



"Seventeen"

"Nothing stays the same from yesteryears"

O mais normativo dos temas, a versar sobre aquele porto seguro antes da maioridade com a única abordagem possível - jovial. É impecável na recordação, mas talvez excessivo na produção. Aqui sim, ouve-se "Team" de Lorde.



O Verão aproxima-se do fim e o regresso às aulas dá a "Here" (ainda infalível com o seu sample dos Portishead) a oportunidade perfeita de se ligar com o seu público-alvo - novas experiências, amizades, dilemas adolescentes e tudo e tudo que esta canção possa consolar. Actual nº79 na Billboard Hot 100, acredito que pelo final de Outubro chegará ao top 5.

É esperado ainda na recta final do ano o longa-duração de estreia, e se Alessia Cara continuar a ser a miúda inteligente que tem sido, saberá levar consigo apenas "Four Pink Walls", "Outlaws" e, claro, "Here" e aprender a não colocar tudo de uma vez na misturadora, permitindo que a voz - límpida, bem colocada e pujante - seja o prato principal.

Onde Lorde é anti-pop com queda para o lado electrónico da melodia e preferência pela estética minimal, Alessia Cara revela-se mais pop que o esperado, mas estudiosa da cartilha soul e R&B. Um diamante em bruto a ser lapidado, com previsão de crescimento para o álbum de estreia. Aguardemos.

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