REVIEW: Ciara- Jackie


Diz-se que tristezas não pagam dívidas, mas Ciara tinha-as de sobra para descontar neste seu 6º álbum pago com um cheque careca - a desonestidade não compensa.

"Man, I just delivered a nine-pound, ten-ounce baby. I'm a bad motherf*cker". Prazeres da maternidade à parte, Ciara afirma-se como mulher de pulso forte em "Jackie (B.M.F.)", hostil tema de abertura do novo disco, essencial para se compreender o conteúdo da obra e as decisões nela tomadas. Mãe há cerca de um ano atrás, a cantora vem também de um afamado processo de desvinculamento conjugal do rapper Future, o responsável pela aura positiva do muito bem conseguido último álbum de estúdio homónimo de 2013.

Ao pedir emprestado o nome da progenitora para intitular a nova aventura discográfica, Ciara não só faz alusão ao estatuto maternal que também ela agora partilha, como à capacidade de ver o mundo pelos olhos da sua mãe. E pelo que o tema-título faz crer, ela ensinou-a a ser uma "tough girl", faceta mais evidente nesta malha trap para a pista de dança, mas da qual faz bom uso ao longo do disco por forma a reprimir as emoções mais vulneráveis que se esperava que revelasse. 

Mas nem canções de caixão à cova, nem de empoderamento feminino - o disco é passado na sua maioria na pista de dança, onde todas estas inquietações de espírito não têm lugar. E é um bocado desanimador constatar que Ciara não utilizou essa paleta sentimental como catalisador criativo, dirigindo em vez disso o foco em canções banais que muito pouco ou nada acrescentam à sua discografia.



"That's How I'm Feelin'" é o tema mais próximo de "1,2 Step" que fez até hoje, dance pop de apelo urbano ao qual nem faltam Missy Elliott (a dar força à recriação óbvia) e o a-festa-não-se-faz-sem-ele Pitbull. "Stuck on You" e "Give Me Love" soam ambas a canções que J.Lo deixou escapar de Brave (2007) e Love? (2011), respectivamente. A primeira de espírito fashionista e tónica R&B, a segunda a apontar baterias para o já gasto filão EDM - agradáveis, mas datadas. 

Três exemplos de boa aproveitação de temáticas mas musicalmente redundantes são "Lullaby", "Fly" e "I Got You". Vejamos: a primeira é inspirada nas canções de embalar que agora são recorrentes no seu dia-a-dia, mas adaptada às suas novas conquistas amorosas ("I'll show you the time of your life/ baby right before I say goodnight") numa ágil produção disco pop de Dr. Luke; "Fly" é a canção-emancipação reciclada pela 78ª vez e "I Got You" a bonita serenata ao filhote, estranhamente deslocada num alinhamento tão anódino.

Três boas excepções no festim de analgésicos: a sedutora "Dance Like We're Making Love", encontro entre "La Isla Bonita" (Madonna) e "That's the Way Love Goes" (Janet Jackson) com centro de pressão concentrado nas ancas e um colchão de água como pano de fundo; "Kiss & Tell", airoso momento electropop cedido por Dr. Luke a herdar a atmosfera feel-good de "Livin' It Up" do disco anterior e "One Woman Army", cercada de chamas de tão escaldante que é, primeiro a concentrar atenções na pista de dança e depois a electrizar a multidão em pleno sambódromo - o maior fôlego de inspiração do disco. 

Emoção e honestidade a rodos é o que não falta a "I Bet", afiliação ao R&B da década de 90 e o mais próximo de uma canção de "enchovalhamento" que Ciara poderia ter feito ao ex-marido. A tough girl confessa, perto do fim, "right now it's killing me, 'cause now I have to find someone else, when all I wanted was you", único vislumbre de dor e fragilidade ao longo do álbum. Mas o coração ficou fechado para obras e é a sua ausência que compromete tanto o disco. Aguardemos a sua reabertura.



Classificação: 7,0/10

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