À Descoberta dos Arcade Fire- Neon Bible


O 2º álbum dos Arcade Fire chega quase 3 anos depois de Funeral. E creio que não deve ter sido nada fácil para a banda conceber um sucessor que estivesse à altura da obra-prima que assinaram com o seu disco de estreia. Eu próprio parti para a sua audição a pensar que não chegaria sequer aos calcanhares de Funeral. Mas já lá vamos.

Porquê Neon Bible? Eu sempre olhei para o título como uma espécie de culto/divindade em torno da banda, como se a própria quisesse reforçar o seu estatuto sagrado. Nada disso. Quanto muito a sua inspiração bíblica deve-se ao facto de ter sido maioritariamente gravado numa igreja que a banda comprou, remodelou e utilizou como estúdio de gravação. Mas a denominação deve-se à capa, uma fotografia de um letreiro em néon alusivo a uma bíblia pela qual a banda se perdeu de amores.

E até eu, que a conheço há tantos anos, sempre me senti estranhamente fascinado por ela de forma hipnótica, como se me soprasse ao ouvido "ouve-me, ouve-me"... Caramba, acho que é das melhores capas que já vi. Podia ficar horas e horas a olhar para ela que o meu encanto não se esgotaria...

E o que apregoa então Neon Bible? Um discurso em tudo semelhante e ao mesmo tempo diferente de Funeral. Como? É simples: a atmosfera épica e grandiosa mantém-se, mas a paleta garrida/aguerrida de emoções atenua-se e dá lugar a um disco bem mais cerebral e menos focado em divagações acerca da mortalidade e mais em problemas humanitários. É nitidamente um disco político que lida com questões pós-11 de Setembro (principalmente em "Antichrist Television Blues" e "Windowsill") e que pretende alertar consciências para o mundo em que vivemos. Ou aquele em que escolhemos viver.

Tem uma certa influência das sonoridades americanas, indo beber às raízes da country, rock, folk e blues e soando, a tempos, às figuras de proa desses géneros - Bob Dylan e Bruce Springsteen - nomeadamente no já referido "Antichrist", no tema título, em "Intervention" e "Keep the Car Running". E fica também marcado pelo uso de instrumentos pouco comuns: sanfona, acórdeão, mandolim e, claro, - fazendo alusão ao título - um órgão de tubos (perceptível em "Intervention" e "My Body Is a Cage"). Nesse sentido creio que há uma evolução face a Funeral, instrumentalmente mais rico mas mais linear na sua sonoridade.

Dito isto e, contrariando a maioria do que a crítica disse, acho que Neon Bible não fica nada a dever a Funeral. E talvez até tenha gostado mais deste 2º álbum. E isto porquê? Não desfazendo Funeral e todo o seu brilhantismo, penso que é um disco muito intenso, que vive no fio da navalha e é cantado com o coração na boca. Não que isso seja mau, obviamente, mas não é um álbum que se oiça de ânimo leve - exige que nos envolvamos, emocionemos e sintamos efusivamente a sua narrativa. E, caramba, não me apetece sentir mentalmente esgotado a toda a hora e esvaír-me emocionalmente de cada vez que o oiço. É um álbum para a vida mas que deve ser sabiamente escutado. Já com Neon Bible, sinto que é um companheiro de estrada, um conselheiro a quem posso recorrer a qualquer altura - não me esgota, alimenta-me.

E além do mais, há que ver isto por outro prisma: grande parte da importância de Funeral deve-se à altura em que surgiu - ninguém estava à espera de tamanho colosso nas suas vidas. Criaram-se laços, significados, um culto autêntico em seu redor. E expectativas. Seria muito difícil para os Arcade Fire superarem tamanha obra-prima logo ao 2º álbum. O meu caso é diferente: ouvi Funeral pela primeira vez a semana passada e nesta escutei Neon Bible. Ainda não houve o tal tempo de fidelização, as tais memórias emocionais tão necessárias para criar pedestais entre um e outro.

Não houve tema de que não gostasse. Mas posso eleger uns quantos favoritos: "Keep the Car Running", "Intervention", "Ocean of Noise", "Windowsill" e "No Cars Go" (existirão palavras para descrever tamanha perfeição?) foram os que mais me fizeram acelerar a pulsação. Mas aquele que me trucidou, qual raio fulminante, foi mesmo "My Body Is a Cage", que aos 2 min e 10 seg me provocou uma quase-epifania. E julgo que é um dos temas que melhor descreve a essência do álbum.



É oficial. Estou a apaixonar-me pelos Arcade Fire. Perdidamente.

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