REVIEW: Lady Gaga- ARTPOP

 
Considerado o penúltimo grande lançamento do ano no campeonato da pop, ARTPOP (assim mesmo estilizado) é de certa forma um tira-teimas relativamente a Lady Gaga, que gera ódios e paixões de igual forma. Poderá ela, uma vez mais, revolucionar a pop como fez em The Fame Monster? Ou seguirá o caminho de Born This Way e afastá-la de um patamar que parecia tão certo há 3 anos atrás? Vejamos:
 
1) Aura- Logo ao início um aviso: "I killed my former and left her in the trunk on highway 10" - será isto um renascer? Seguem-se umas dedilhadas à la mexicana, uma gargalhada teatral e uns mui esquisitos "aurrrrrrrrrrrra". Estranho, não? Mas torna-se ainda mais bizarro quando os Infected Mushroom, duo israelita de psytrance (?) entram em cena e levam o tema para lugares recônditos da electrónica. É uma Lady Gaga aparentemente de burca vestida a convidar-nos  para o seu estranho mundo. É de difícil audição, salvando-se apenas o refrão. (5/10)
 
2) Venus- Entramos nos domínios da cosmologia/mitologia para outro tema de digestão algo complicada, em que a cantora veste a pele de Vénus, a deusa do amor, e usa e abusa de uma série de jogos de palavras em torno do cosmos. Assinado pela própria e pelo jovem francês Madeon, lembra-me a tempos "Bad Romance", mas de forma bem menos icónica. São precisas umas quantas (muitas) audições para que se torne apelativo. Mal isso aconteça, entranha-se no cérebro qual verme alienígena. (7/10)
 
3) G.U.Y.- Em "Girl Under You" Lady G assume a forma do deus Ero, suposta divindade do desejo sexual, e brinda-nos com uma ode à magia que acontece entre quatro paredes. Produzido a meias com Zedd, recupera a atmosfera de The Fame e é o primeiro tema de que consigo gostar sem torçer o nariz. (8/10)
 
4) Sexxx Dreams- Continuamos no quarto, mas desta vez a acção é menos carnal e decorre, de forma sugestiva, no pensamento. Os versos são bastante explícitos e penso que aqui o objecto de sedução é... uma mulher. Assemelha-se a uma versão mais devassa e não tão humorística de um "Last Friday Night (T.G.I.F)", com um refrão deveras orgásmico voluptuoso. (8/10)
 
5) Jewels n' Drugs- Wow, o que raio vem a ser isto? Lady Gaga coloca os seus grillz, a corrente de ouro ao pescoço e sai para as ruas numa trágica reviravolta que a vê entrar por territórios do hip hop e trap. É um risco que resulta num valente tropeção e que não joga nada em abono de um álbum já de si pouco coerente. Sinto que estou a ouvir Gwen Stefani, que em tempos idos poderia ter feito maior justiça a isto. (4/10)
 
6) MANiCURE- Faz-me recordar a Gaga divertida e irresistivelmente contagiante que surgiu em 2008 com "Just Dance" e "Poker Face" no bolso - o que me agrada bastante. É o tema (com um original duplo-sentido) mais simples até ao momento, uma espécie de hino de cheerleaders, e que acaba por produzir resultados mais imediatos. Fossem os outros assim tão descomplicados, e a coisa correria melhor para o seu lado. (8/10)
 
7) Do What U Want- Recém-promovido a 2º single do álbum, é um tema direccionado aos detractores de Lady Gaga, baseado num binómio mente/corpo que à primeira vista pode parecer sexualmente sugestivo. Mas vai mais além: significa basicamente que por mais que deturpem ou abusem da sua imagem, não lhe retirarão a sua essência. De génese synthpop e R&B e com texturas várias dos anos 80, é aguerrido, sensual e conta com o valioso contributo de R. Kelly. (8/10)
 
8) Artpop- No tema título do álbum, raro momento de contenção e minimalismo, Lady Gaga afirma "My ARTPOP could mean anything", o que só contribui para a pluralidade e divagação em torno do termo. Para ser sincero, até ao momento ainda não percebi em que direcção caminha o disco, daí que entenda a importância do tema mas a sua compreensão ultrapassa-me. (6/10)
 
9) Swine- É a canção mais agressiva tanto a nível sonoro, pautada por electro house fulminante (com laivos de Swedish House Mafia), como lírico - "You're just a pig inside a human body" - com uma interpretação igualmente irada. Em território da electrónica, julgo que é a mais bem-conseguida do alinhamento. Para dançar furiosamente na pista de dança. (8/10)
 
10) Donatella- Continuamos nos meandros do four-on-the-floor com uma ode dedicada a Donatella Versace, dona de um vasto império no mundo da moda. Tem tudo de The Fame e pouco ou nada de ARTPOP: não encaixa na temática do álbum, apesar de ter um certo je ne sais quoi que o torna memorável - especialmente na parte do "voodoo, voodoo, voo-don-na-na". (7/10)

11) Fashion!- Conhecendo o apurado (e bizarro) sentido estético de Gaga, parece estranho que tenha demorado tanto tempo a fazer um tema destes, em que exulta a sua paixão pelo mundo da moda. David Guetta e will.i.am apontam as coordenadas para territórios da disco, mas não são suficientemente entusiasmantes. E para alguém que se dizia renascida, isto é mais do mesmo. (6/10)

12) Mary Jane Holland- Ao princípio pensei que se tratasse de uma homenagem a uma figura histórica, mas entretanto percebi que Mary Jane é nada menos do que um outro termo para designar marijuana, que pode ser legalmente consumida na... Holanda, nem mais. Ao contrário das outras, esta foi perdendo encanto, se bem que se insere na temática do álbum ou não tivesse Gaga já revelado utilizar a dita cuja para se inspirar e criar a sua arte. (6/10)

13) Dope- Já fazia falta uma balada e esta, por sinal, é a única que por aqui reside. E nem a propósito, aborda a sua luta contra as substâncias ilícitas que referia no tema anterior e com as quais travou uma árdua luta no pós-recuperação da cirurgia que fez há uns meses atrás. É uma Lady Gaga ao natural que aqui ouvimos, no tema mais confessional e honesto que já fez. À semelhança do que aconteceu em Yeezus, Rick Rubin elimina os excessos e torna-o o mais cru possível. O resultado está à vista. (8/10)

14) Gypsy- E eis que no sprint final, Lady Gaga alcança uma excelente recuperação. No único tema a contar com mão do fiel RedOne (e em que finalmente Madeon faz jus ao seu talento) a cantora proclama o seu fascínio pela vida de cigana e mostra-se disposta a correr o mundo por amor. É uma triunfante feel-good song e levará qualquer plateia ao êxtase. Funcionará muito bem, por isso, se for transformada em single. (8/10)

15) Applause- Não é comum esperar pelo final do alinhamento para darmos de caras com o 1º single, mas aqui faz todo o sentido, não fosse esta a principal razão que move Lady Gaga: "I live for the applause, applause, applause/ live for the way that you cheer and scream for me" - o aplauso sincero e merecido. Não é revolucionário, mas entretém: uma salva de palmas, pois então. (8/10)

Terminada a audição de ARTPOP, não sei muito bem o que pensar. Posso começar por dizer que é um álbum frenético, extenuante, demasiado longo (estive durante 1 hora na Gagalândia), algo disperso e bastante dançável. Não é um álbum genial, com certeza. Mas também não é, de modo algum, o desastre que muitos previam ou queriam ver acontecer. Acho que o seu principal problema é o conceito ambicioso que o rodeia - desafiar os limites do convencional e tornar a pop mais hérculea e erudita - tarefa em que raramente é bem-sucedida. Dito isto, dificilmente acrescentará novos fãs à sua vasta fileira de Little Monsters. E mesmo alguns deles poderão torcer o nariz a este novo trabalho...

Ainda não me consigo decidir se ultrapassa o anterior Born This Way, com o qual nunca estive muito familiarizado, mas posso garantir que não está à altura de The Fame/The Fame Monster, em que se sentia que Lady Gaga estava de facto a transcender as barreiras da pop. Em ARTPOP pouco ou nada existe de revolucionário, há sim uma grande dispersão lírica e algum caos sonoro com laivos de bizarrice ("Aura" e "Venus" são exemplo disso). Há também alguns momentos acima da média ("G.U.Y.", "Sexxx Dreams" e "Swine"), outros que, apesar de bons, jogam pelo seguro ("MANiCURE", "Do What U Want", "Gypsy" e "Applause")  e uns quantos que poderiam ter sido evitados ("Donatella", "Fashion!" e "Jewels n' Drugs").

Em vez de dissipar as dúvidas a seu respeito, ARTPOP vem apenas aumentá-las. Continuo a achar que Lady Gaga é bastante talentosa, por vezes incompreendida (julgam-na demasiado, quero eu dizer), um tanto ou quanto pretensiosa (à semelhança do anterior, voltou a afirmar que este novo álbum seria o melhor do século) mas é demasiado complexa. Quem é, de facto, Lady Gaga? Qual a sua verdadeira identidade? Tinha aqui uma excelente oportunidade para mostrar isso ao mundo, mas eis que volta a diluir-se nos meandros da sua complexidade. No fundo parece-me tudo mais do mesmo e, para alguém que quer revolucionar a pop, isto não basta. As ideias, a ambição e o génio artístico estão lá, apenas é preciso um pouco mais de engenho e sensatez. Madonna que fique descansada, que o trono de Rainha ainda é seu por mais uns anos.
 
Classificação: 7,0/10

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