REVIEW: Alt-J- This Is All Yours


Há 2 anos atrás apanharam o mundo de surpresa com An Awesome Wave, um álbum de encantos mil que lhes valeu a aclamação da crítica e do público em geral, bem como um prestigiado Mercury Prize nos braços. Em 2014 os Alt-J regressam em formato trio, já sem Gwil Sainsbury a bordo, alvos de um culto imenso e com o desafio em mãos de vencer o estigma do "complicado segundo álbum". Da banda do triângulo para nós, This Is All Yours:

1) Intro- Regra geral, uma introdução quer-se curta e concisa. Pois o prólogo segundo os Alt-J desafia a norma e a paciência dos ouvintes mais resistentes: são dois minutos e tal de "la la la's" eclesiásticos que se arrastam à exaustão, abafados depois por harmonias distantes, uma espécie de orgão sinistro, um sample distorcido que dá lugar aos habituais versos hieroglíficos da banda e que desemboca numa secção rítmica oriental. Resultava melhor se fosse reduzido a metade, mas cumpre o seu propósito: devolver-nos ao estranho mundo dos Alt-J. (7/10)

2) Arrival in Nara- Estes tipos não deixam nada ao acaso. O objectivo é levarem-nos a Nara (uma cidade japonesa situada na província) mas antes, como é óbvio, há um caminho a percorrer. A chegada às imediações do local capta aquela magia com que os sentidos açambarcam todo um novo e desconhecido território - os cheiros, as cores, a luz, as pessoas, os edifícios. E os Alt-J fazem-no de forma muito vívida, delicada e repleta de beleza acústica. (9/10)

3) Nara- Por fim, a cidade. Em vez de se focar na descrição ou na ambiência do local, o tema parece antes querer contar uma história com alicerces na mitologia local e na questão dos abusos que os homossexuais são alvo, segundo a banda, desde o Alabama à Rússia. "Soon I'm gonna marry a man like no other/ light the fuse, hallelujah, hallelujah" - e eu só consigo imaginar o vídeo de "Take Me to Church". É a luta pela liberdade pessoal e política. "To be a deer in Nara" - o veado é um animal protegido da região, livre e à solta pela cidade. Completamente rebuscado, mas tão pungente. (8/10)

4) Every Other Freckle- Nunca a banda do triângulo soou tão lasciva e carnal como neste tema. "I'm gonna bed into you like a cat beds into a beanbag/ turn you inside out and lick you like a crisp packet" - a devassidão segundo os Alt-J só poderia ser bizarra, pois claro. É uma canção digna de An Awesome Wave, tão forte quanto os melhores momentos desse disco. O início expansivo traz-me sempre à memória os hinos de estádio luminosos de U2 ou Coldplay, mas dali em diante não há comparação possível: são os Alt-J a pôr em prática a sua fórmula mágica com linhas de baixo bem marcadas, sintetizadores esquizóides, percussão tribal e apelo étnico. Música que faz bater o coração da Terra. (9/10)

5) Left Hand Free- É a primeira vez que sinto os Alt-J a tentar sair da sua zona de conforto, atirando-se a um destemido blues rock que mais facilmente esperaríamos de uns Black Keys ou até mesmo dos Rolling Stones. Para alguns pode parecer uma carta fora do baralho, já eu acho que é divertida à brava e vem dinamizar um disco que corre o risco de soar a mais do mesmo. Só a parte do "hey, shady baby, I'm hot" e "pick a petal eenie meenie miney moe" quase que fazem a canção. Ao vivo então deve soar extraordinária. (8/10)

6) Garden of England- Pára tudo, que é hora do chá. E como bons britânicos que são, não falham a tradição. Como explicar esta pérola? Simples: é a prova do excelente humor do trio e um toque meramente convencional na sua tela sempre tão experimental. É completamente disparatado, mas é isso que lhe dá a graça. E foi a altura certa para o largar. (-/-)

7) Choice Kingdom- De volta a Nara, somos confrontados com um denso nevoeiro: são os sintetizadores periclitantes e nebulosos de "Choice Kingdom" com mira apontada à Grã-Bretanha medieval. Tem uma certa aura de The Maccabees, pela atmosfera e semelhança da voz entre Joe Newman e Orlando Weeks. No entanto sinto que o seu potencial fica aquém do que poderia ter sido caso tivessem optado por adaptá-la como interlúdio. (7/10)

8) Hunger of the Pine- Poderá ser esta a melhor canção alguma vez feita pela banda do triângulo? É uma séria candidata a esse título - épica, audaciosa e uma badass de primeira linha. Ou, simplesmente, uma forma muito interessante de aprimorar a receita mágica descoberta no disco de estreia. Conserva o embalo rítmico sedutor de "Tessellate" e a cadência obscura de "Fitzpleasure", mas depois há o inusitado sample de "4x4" de Miley Cyrus a entornar ácido em tão pura criação (elogio) e um saxofone que é o pináculo desta obra mestra em que cada filamento se une de forma tão fluída e delicada. 5 intensos e preciosos minutos que valem por uma vida. (10/10)

9) Warm Foothills- Gostava de compreender esta canção, mas creio que não estou nem lá perto. Demasiado estranha, até para alguém como os Alt-J. A tripartição do microfone - a Joe Newman juntam-se Conor Oberst e Lianne La Havas - é completamente bizarra e a estrutura é imensamente dismórfica, como atirar barro à parede e ver o que dali resulta. Tenta soar a Radiohead e Coldplay ao mesmo tempo, mas acaba por ser a pior canção que já criaram. (5/10)

10) The Gospel of John Hurt- Voltam a erguer-se tão depressa quanto caíram, com mais um audacioso/majestoso tema na linha de "Hunger of the Pine" que nada tem de gospel. E a referência a John Hurt passa-me completamente ao lado. Talvez estejam novamente a querer soar a Radiohead, mas pelo menos são mais bem sucedidos na tarefa - a forma como a guitarra, a percussão étnica, a secção de metais e os samples de sensibilidade hip hop se cruzam, é formidável. Parecem mil canções dentro de uma, mas funciona. (8/10)

11) Pusher- Agora foram atingidos pela melancolia digna de uns Coldplay na era de Ghost Stories e saem-se com um tema inteiramente acústico e completamente minimalista, mas sem a dose de risco e ousadia que lhe está associada. Uma canção letárgica que versa acerca de sentimentos de perda e solidão. Quanto aborrecimento. (6/10)

12) Bloodflood pt.II- Raramente é boa ideia fazer a sequela de uma grande canção. A menos que a continuação seja ainda melhor que a primogénita. Não é o caso, infelizmente. "Bloodflood" estava muito bem como estava e este apêndice nada lhe vem acrescentar. Quanto muito só demonstra o quão à deriva estão os Alt-J. A canção arrasta-se durante 4 minutos e só chega a bom porto nos segundos finais, mas é um clímax tão redundante que não consigo deixar de ficar desiludido. (6/10)

13) Leaving Nara- Esqueci-me completamente que estava em Nara, tamanha foi a incongruência da viagem nestes últimos temas, e parece que é hora de lhe dizer adeus. "Bovay, Alabama/ I'll bury my hands deep/ into the mane of my lover" - não se perdeu a referência. Parece um adeus curto e seco, mas mais adiante encontra-se "Lovely Day", imprevisível versão de um tema de Bill Withers, que também não se percebe muito bem o porquê de ter vindo aqui parar. (7/10)

Suceder a An Awesome Wave nunca seria uma tarefa fácil. O desvanecer da frescura com que nos atingiram há 2 anos atrás, a pressão das expectativas e a perda do baixista Gwil Sainsbury fazem de This Is All Yours um sucessor desigual, menos inspirado e ponderado. O problema nem está na repetição da fórmula ou da aparente evolução na continuidade, porque as melhores canções do disco ("Hunger of the Pine", "Every Other Freckle" e "Left Hand Free") soam tão bem quanto os melhores momentos da estreia. O cerne da questão está nas dores de crescimento típicas de quem quer chegar mais além e ainda não percebeu muito bem como. Só assim se explicam deslizes como "Pusher", "Bloodflood pt.II" ou a temível "Warm Foothills".

A ideia da ida, chegada e partida de Nara é muito bem retratado nas três respectivas canções, mas o conceito da viagem perde-se algures a meio do disco. É essa a outra grande falha de This Is All Yours: a falta de coerência. Enquanto An Awesome Wave era uma formidável colecção de canções com princípio, meio e fim, o novo álbum parte com o mesmo propósito mas cedo perde a direcção e dispersa-se em confins labirínticos que nem sempre têm saída. E senti a falta dos interlúdios como ponto de ligação entre faixas ou forma de condensar ideias mais complexas.

Não acho que seja um álbum fraco nem pouco cativante, mas sei que não me marcará tão fortemente quanto o disco de estreia. Nem sequer tenho razões para estar desiludido: tomara a maioria dos "complicados segundos álbuns" serem tão maus quanto este. Mais do que isso, acredito que é um passo atrás que lhes vai permitir dar dois em frente no futuro. É com essa convicção que me manterei fiel e crente à banda do triângulo.

Classificação: 7,5/10

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Comentários

  1. Gostei bastante da review! Me fez entender um pouco melhor sobre cada música e sobre o conceito em geral do album. Não sei se concordo muito sobre a música "Warm Foothills". Desde que eu ouvi pela primeira vez essa tem sido uma das minhas músicas preferidas; pode parecer ridículo, mas a melodia dessa música e os assobios me deixam tão feliz... haha. Tem algo nela que é inspirador: eu acho que eu ouvi umas 7 vezes seguidas enquanto escrevia um conto para uma disciplina da faculdade... haha

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    1. Não é nada ridícula a tua admiração pela "Warm Foothills", eu é que não consigo encontrar esse encanto. Nem é tanto pela melodia, é mesmo pela divisão das vozes, parecem andróides a cantar e acho que fica mesmo estranho. Sou capaz de ouvir o álbum de uma ponta à outra sem a passar à frente, mas não consigo evitar o desconforto perante tanta estranheza.
      Obrigado por leres a review e pela partilha da opinião =D

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